CLEMENTE, PRESENTE! Um revolucionário nunca morre, porque suas ideias permanecem vivas

Faleceu neste sábado (29/06), em Ribeirão Preto (SP), o revolucionário, músico, escritor e ex-guerrilheiro Carlos Eugênio da Paz. Conhecido pelo codinome “Clemente”, Carlos Eugênio foi o último comandante da Ação Libertadora Nacional (ALN), assumindo a tarefa após os assassinatos de Carlos Marighella e Joaquim Câmara Ferreira. Um dos quatro brasileiros condenados ‘in absentia’ pelo regime, foi também um dos poucos integrantes da luta armada que sobreviveu sem nunca ter sido preso ou torturado, exilando-se na Europa em 1973 após o desmantelamento das organizações armadas pelas forças de repressão do governo. Foi um dos últimos brasileiros anistiados, em maio de 1982. Nascido em Maceió (AL), em 23 de julho de 1950, se mudou com a família para o Rio de Janeiro, onde estudou no Colégio Pedro II. Militante da ALN, participou ativamente de inúmeras ações contra a ditadura militar, entre elas o justiçamento do industrial dinamarquês Henning Boilesen, um dos principais financiadores da Operação Bandeirantes (OBAN) e espectador assíduo de sessões de tortura contra dissidentes políticos, praticadas nas dependências do DOI-Codi. Em 1973, Clemente vai para Havana e de lá segue para a União Soviética, Iugoslávia, e depois Paris, de onde retorna para o Brasil em 1981. De volta ao Brasil, Carlos Eugênio trabalhou como professor de Música e escreveu dois livros sobre a resistência à ditadura: Viagem à luta armada (1996) e Nas trilhas da ALN (1997). “Ele se vai como viveu a vida: com coragem”, disse Maria Cláudia, sua companheira, ao informar a amigos e companheiros sobre a partida de Clemente, vítima de falência respiratória, aos 68 anos. Carlos Eugênio deixa o exemplo de coragem e solidariedade aos companheiros de uma vida de lutas. Quando chegou ao Rio de Janeiro com a família vindo de Alagoas, foi estudar no Colégio Andrews, onde seu sotaque nordestino era alvo de deboche, o que levava a brigas diárias do lado de fora da sala de aula. Começou a fazer política em 1966, aos 16 anos e no ano seguinte, estudante do Colégio Pedro II, deixou a escola para ingressar na ALN de Carlos Marighella, por quem foi instruído a servir o Exército no Forte de Copacabana, de maneira a receber treinamento militar, aprender a obedecer para no futuro aprender a comandar e entender o pensamento dos militares de maneira a se tornar um comandante militar da guerrilha armada. Bom soldado e bom atirador, chegou a ser condecorado e homenageado pelo comandante do quartel, medalha que jogou fora num bueiro de Copacabana em 1969, após sua irmã ser torturada pelos militares. Sob o codinome de “Clemente”, uma homenagem ao jogador de futebol Ari Clemente, um ex-lateral esquerdo do Corinthians e do Bangu, integrou o Grupo Tático Armado – GTA, da ALN, participando de dezenas de ações armadas em assaltos a bancos, carros-fortes – o primeiro assalto a um carro da Brink’s no Brasil – enfrentamento com as forças de segurança e panfletagem. Em 1971, levou a cabo uma tentativa de sequestro do Comandante do II Exército, o general Humberto de Souza Melo, que acabou sendo frustrada, depois que os guerrilheiros, que cercaram o general, sua família e seus seguranças na porta de uma igreja na Vila Mariana, foram eles mesmo cercados por agentes do DOI-Codi. Após uma intervenção do general para que não houvesse um morticínio ali, todos acabaram se retirando, cada grupo para seu lado. No campo da política revolucionária, foi um dos principais articuladores da campanha pelo voto nulo, lançada pela ALN para as eleições de 1970, uma vitória da guerrilha. Junto com outros companheiros, executou, dentro do carro em que ocupavam, um capitão do exército descoberto infiltrado na guerrilha. Em Nas Trilhas da ALN, relata o justiçamento com objetividade, e sem tergiversar: “Ele se cala diante do inevitável, apontamos as pistolas e executamos a sentença. Descarregamos as armas no capitão, trocamos os pentes e batemos em retirada. Sete homens jogam as cartas da vez no jogo da sobrevivência e vencem a mão”. Em 23 de março de 1971, o mais polêmico ato da ALN foi cometido por ele junto com sua então companheira e seu grande amor na vida, Ana Maria Nacinovic Correia, e dos também militantes da ALN José Milton Barbosa, Antonio Sérgio de Matos, Paulo de Tarso Celestino e Yuri Xavier Pereira: a execução do companheiro de organização Márcio Leite de Toledo, o “Professor Pardal”, em via pública, na altura do número 45 da Rua Caçapava, em São Paulo, após uma série demonstrações de fraqueza pelo guerrilheiro em ações anteriores. Em caso de deserção ou prisão, Toledo, um militante treinado em Cuba, tinha conhecimento de todos os planos, táticas e identidades dos membros da ALN. Junto ao corpo foi deixado o seguinte comunicado: “A Ação Libertadora Nacional (ALN) executou, dia 23 de março de 1971, Márcio Leite Toledo. Esta execução teve o fim de resguardar a organização. Uma organização revolucionária, em guerra declarada, não pode permitir a quem tenha uma série de informações como as que possuía, vacilações desta espécie, muito menos uma defecção deste grau em suas fileiras… Tolerância e conciliação tiveram funestas conseqüências na revolução brasileira. Ao assumir responsabilidades na organização, cada quadro deve analisar a sua capacidade e o seu preparo. Depois disto não se permitem recuos. A revolução não admitirá recuos!”. Em sua guerra particular contra a ditadura militar, este foi o único ato pelo qual Clemente veio a sentir posteriormente remorso. Menos de um mês depois, o comandante foi responsável pelo tiro de misericórdia que matou o industrial dinamarquês radicado em São Paulo Henning Boilesen, um dos principais financiadores da OBAN e espectador assíduo da tortura de dissidentes políticos dentro das instalações do DOI-Codi. Boilesen foi justiçado pelo GTA da ALN em 15 de abril de 1971, no meio da rua Barão de Capanema, também na capital paulista. A mãe de Carlos Eugênio, Maria da Conceição Coelho Paz, também foi uma integrante da ALN, recrutada pelo filho, depois de fazer um curso de enfermagem em Cuba para cuidar dos feridos da organização. Em 1974, “Joana” (codinome recebido por Maria da Conceição) foi