COMANDANTE CLEMENTE, VIVE E LUTA!

Em 29 de junho de 2019, há dois anos, o saudoso Carlos Eugênio da Paz, nosso Comandante Clemente, nos deixava. Clemente assumiu o comando militar da Ação Libertadora Nacional, a ALN, e fez parte de sua Coordenação Nacional, após o assassinato pela ditadura militar fascista do Comandante Toledo, o Velho, Joaquim Câmara Ferreira, em 23 de outubro de 1970. Com apenas 20 anos, Carlos Eugênio, juntamente com Ana Maria Nacinovic, Paulo de Tarso Celestino, Iuri Xavier Pereira, José Luiz da Cunha, o Comandante Crioulo, e tantos outros homens e mulheres do povo, combatentes da libertação popular formaram a última geração de guerrilheiros da ALN, fundada por Carlos Marighella e a mais importante organização revolucionária que combateu a ditadura empresarial-militar. Sentenciado a 124 anos de prisão pela ditadura e o mais procurado guerrilheiro da última fase da luta armada contra o regime fascista dos generais, o Comandante Clemente, foi retirado do país pela organização, saindo pela Argentina e Cuba, até se exiliar em Paris a partir de 1973/74, conseguindo sua anistia política apenas em 1982. Escreveu dois importantes livros de memórias da luta revolucionária no Brasil: “Viagem à luta armada” (1996) e “Nas trilhas da ALN” (1997). Através de seus depoimentos, generosidade e combatividade fez a ponte entre a geração de revolucionários da ALN e a geração atual. Em sua homenagem publicamos o texto inédito da Ação Libertadora Nacional, que traz um balanço das ações da ALN sob o comando militar de Carlos Eugênio da Paz, publicado no jornal O Guerrilheiro nº 4, de janeiro de 1972: FORTALECER A NOSSA DECISÃO – UM BALANÇO Janeiro de 1972* Estamos cumprindo pouco mais de um ano do assassinato de Toledo, fato que tornou maiores e mais difíceis as responsabilidades assumidas e as tarefas a realizar. Qual era a situação naquela época? A que nos propúnhamos então? O ano de 1970 havia sido, para o movimento revolucionário em geral e para a Organização em particular, um ano da atividade intensa e de pouco desenvolvimento. Com a morte de Marighella e os golpes sucessivos que sofremos naquele período, o inimigo conseguiu tomar e manter a iniciativa, atingindo-nos duramente e evitando que pudéssemos desencadear as ações rurais. Assim, 1970 deveria ser um ano de reconstrução e de reorganização, tarefa difícil em virtude das condições de refluxo e confusão que enfrentávamos. O número de ações reduziu-se consideravelmente, ficando em sua maior parte restritas a São Paulo e possuindo um caráter eminentemente financeiro. A imprensa clandestina praticamente inexistiu, a distribuição de materiais e seu debate foram limitados, a atividade e a penetração política da Organização nas diversas áreas foi muito escassa. Mesmo assim, sob o comando de Toledo, fomos enfrentando tal quadro, buscando cumprir o fundamental de nossas perspectivas, de reorganização e estabilidade da Organização. Mas a morte deste dirigente revolucionário provado e respeitado, líder indiscutível, veio agravar as condições que tínhamos de cumprir estas tarefas. Qual era o quadro que então enfrentávamos? De um lado, sob a orientação de Toledo, vínhamos superando uma série de dificuldades decorrentes da morte de Marighella. As quedas desse período, somadas as do início do ano, criavam uma situação de dispersão e a falta de uma atividade planejada e centralizada. Rompe-se o elo da frente urbana e rural, com todas as consequências disso. Manifestavam-se desvios de todo o tipo (liquidacionismo em relação à luta urbana, visão deformada da luta rural, abandono do trabalho político, etc.). Firme e pacientemente, Toledo dirigia o trabalho de reconstrução da Organização em todos os sentidos: recontata setores e áreas, orienta a abertura de frentes de trabalho político, efetua deslocamentos, organiza, coordena, planeja. Sua direção vai se fazendo sentir principalmente no terreno político: importantes passos se dão no sentido de uma maior aproximação entre as forças revolucionárias, com várias iniciativas concretas, ações conjuntas, etc. No documento “ALN, balanço e perspectivas”, indica as diretrizes fundamentais para nossa atuação, desenvolve novos critérios e sistemas de organização, adequados às novas condições, com base no combate aos desvios, e consolida-se a unidade da Organização. Retoma-se o trabalho rural, já dentro de um planejamento. Na Guanabara, em agosto, havíamos sido vítimas de infiltração, perdemos alguns quadros valiosos e também as condições operacionais. Em setembro, a Organização no Nordeste havia sido golpeada e dispersada, estávamos sem contato com a região. Em Minas possuíamos reduzida penetração e não tínhamos condições para a realização de ações. Em São Paulo ainda nos ressentíamos dos profundos golpes recebidos em 69 e 70. Apesar de ali serem melhores as condições operacionais, a infraestrutura abrangia um número reduzido de setores e a penetração da Organização estava debilitada. Portanto, ao encararmos então o ano de 1971, difíceis se afiguravam os objetivos a atingir, enormes dificuldades a vencer. Hoje, dando um balanço de nossas atividades, os avanços que conquistamos são inegáveis e evidentes os resultados obtidos. A melhor maneira de expressarmos esse avanço, ao resumirmos nossa atuação em 1971, é enumerar de forma sumária o volume de ações desenvolvidas – expressão aberta da existência da ALN (sendo, portanto, do conhecimento do inimigo, sem implicar na violação das normas de segurança). SÃO PAULO Em SP, a Organização realizou no ano de 1971, aproximadamente 75 ações de maior vulto. Destas, 10 foram realizadas em Frente com outras Organizações e grupos revolucionários. Não pretendemos relacionar todas as ações, mas acreditamos ser importante destacar alguns de seus aspectos principais: as de caráter expropriatório-financeiro somam 26, dentre as quais 7 empresas (Mangels, Villares, Ericsson, Vulcan, Pollone, Cima, Coca-Cola). As realizadas visando a fortalecer a infraestrutura chegam a 12, abrangendo principalmente os setores de documentação, imprensa e propaganda. No que se refere às ações de fustigamento do inimigo e aumento da potência de fogo, seu número atinge 10, destaca-se o ataque a 7 rádio-patrulhas. Finalmente, temos um conjunto de aproximadamente 25 ações que abrangem os mais variados setores, com os mais diversos objetivos. Como exemplos, temos as ocupações do restaurante de luxo Hungaria, no dia 1º de maio; de um teatro; do refeitório da PUC; a colocação de uma viatura com fita gravada na USP; uma distribuição