GEORGE AMÉRICO E A EPOPEIA SEM-TETO

Como hoje, era um 5 de maio de 1988, Feira de Santana amanhecia com a notícia do assassinato a tiros do seu maior organizador e líder de massas. George Américo é o fundador da cidade que conhecemos, a geração que nasceu quando George deixou de ser o “rei das invasões” e se tornou mártir, a Feira de Santana periférica, de sofrimento, pobreza e resistência, a cidade-encruzilhada, formada por gente que veio de todo canto e foi ocupando terra e se amontoando entre barracos, taboas, guetos e bairros proletários. Nos anos 80, George organizou 21 ocupações rururbanas, locais híbridos entre a cidade excludente de urbanização conservadora e os caminhos rurais. A geração que nasceu quando George morreu é filha da geração que carrega o “bandido” que ocupava terras no coração, com a gratidão merecida ao líder das ocupações que garantiram à muita gente a conquista de um pedaço de terra e um teto, ou como dizem os versos da poesia-monodia da canção de Gilsam: “George Américo guerreiro-menino, George Américo sonho peregrino, teu peito foi feito em paredes, nas ruas da Feira esculpidas, por ti me inflamei e me inflamo, ficou tua marca na flâmula de dores, em foto e mensagem, contra esses horrores que enfrentaste como o sol se pondo”. É uma ironia trágica que hoje, nesses 30 anos do assassinato de George, assistimos a tragédia televisionada dos sem-teto do prédio ocupado no centro de São Paulo sendo utilizada pelos governos de gerentes do capital e pelo jornalismo de rapina que opera como uma agência de propaganda anti-povo para criminalizar os movimentos de luta por moradia. O crime contra George Américo nunca foi resolvido, executado a mando do poder, como foi Marielle, em outro paralelo com a conjuntura. Criminalizado pelo jornalismo da princesa-comercial, George recebeu a alcunha de “rei das invasões” e sempre foi tratado como um bandido pela mídia local, ora acusado de vender lotes, ora de manter relações com o tráfico de drogas, a mesma fórmula de assassinar reputações repetida ainda hoje para matar lutadores do povo. Quem apertou o gatilho contra George foi a grilagem de terras, a especulação imobiliária, com os nomes dos responsáveis sempre sendo sussurrados em voz baixa pelo medo ainda sentido por quem acompanhou a saga de George e sabe da crueldade dos poderosos dessa terra. Retratado como um homem rebelde e solidário, de família pobre e sempre envolvido em causas sociais, começou sua militância no movimento estudantil e fez parte da Casa do Estudante ainda em seus tempos áureos, depois foi funcionário da prefeitura, o que facilitou seu acesso as informações sobre terrenos na cidade e foi exatamente por esse motivo demitido, fundou a Associação dos Sem Teto de Feira de Santana que mantinha uma dinâmica permanente de organização e mobilização de massas e já naquela época questionava o direito à cidade, em uma das remoções feita pela prefeitura George protestava contra a lógica de alocar os ocupantes em locais distantes da cidade como solução, normalmente no “favelão do Aviário”, como se referia na época. Existem poucos e escassos registros das ocupações realizadas pela Associação dos Sem Teto, como a do bairro Santo Antônio dos Prazeres. Perseguido pelo judiciário, George foi preso e levado para Salvador, sendo logo solto. Mas foi em novembro de 1987, no local que hoje é o Conjunto Habitacional que carrega seu nome, o maior feito e o auge da trajetória política e militante de George Américo, cerca de 5 mil pessoas lideradas por ele, um exército de miseráveis e excluídos do “milagre brasileiro”, ocuparam o Campo de Aviação e antes do raiar do sol de um sábado tinham tomado uma grande faixa de terra de quase 800.000m², sendo até hoje a maior ocupação já feita em Feira de Santana, e talvez na Bahia. Era um tempo de ascenso das lutas populares e de trabalhadores, os ânimos iam se acirrando e a cidade vivia uma tensão cada vez maior entre os grupos políticos que disputavam o poder. O povo de Feira prontamente apoiava a luta dos sem-teto, e mesmo a polícia convocada para despejar a ocupação após uma ordem judicial se negou a reprimir os sem-teto. Em dezembro do mesmo ano, George sofreu um atentado e declarou em uma rádio que “mesmo morto a luta dos miseráveis não iria parar”. O guerreiro-menino já tinha se tornado um mito e herói do povo pobre feirense, circulava entre as organizações políticas de esquerda e democráticas, mas mantinha uma conduta politicamente independente. Em 5 de maio de 1988, em um crime encomendado e nunca punido, dois tiros de escopeta no peito tiraram a vida de George, seu corpo foi encontrado no rio Jacuípe, em seu enterro uma multidão tomou o centro da cidade e carregou o corpo do “Santo George”, como algumas pessoas ainda se referem ao líder sem-teto, até o cemitério e seu túmulo é ainda hoje um local de demonstração de gratidão por parte dessa gente pobre que George organizou para lutar por vida e moradia digna. Sua memória, mesmo vilipendiada por alguns, ainda segue viva e deve ser permanentemente disputada e honrada como um mártir, herói e lutador do povo da mesma terra de Lucas da Feira, Maria Quitéria e Luís Antônio Santa Bárbara, da Feira de Santana rebelde. GEORGE AMÉRICO VIVE E LUTA! MEMÓRIA E JUSTIÇA! Feira de Santana, 5 de maio de 2018. Documentário “George Américo, o Rei das Invasões” (Dir. Cristiane Melo, 25min.), narrando a trajetória do militante da antiga Casa do Estudante, que se tornou presidente da Associação dos Sem Teto de Feira de Santana e liderou mais de 20 ocupações por moradia na cidade nos anos 80, sendo a maior delas a do Campo de Aviação (atualmente Conjunto George Américo), apelidado pela imprensa de “Rei da Invasões” e criminalizado pelas elites locais ligadas a especulação imobiliária, George foi assassinado em condições nunca esclarecidas em 5 de maio de 1988, enterrado por uma multidão de trabalhadores pobres, agradecida ao lutador do povo e líder sem-teto que dedicou sua vida à luta por moradia.

Feira de Santana: construir resistência popular e enfrentar a barbárie ronaldista 

Madrugada de segunda-feira, 26 de outubro, quinquagésimo segundo dia de resistência. Por volta das 4:20 da manhã, cerca de 60 capangas contratados e guarda municipais armados arrebentam o cadeado do portão dos fundos do canteiro de obras do BRT e invadem a ocupação na avenida Maria Quitéria, aterrorizando as e os militantes que dormiam no local, nos arrastando de dentro das barracas, quebrando nossos pertences e nos imobilizando. Na sequência, após revistas violentas, montam cercos de guardas armados nas duas entradas do canteiro de obras. Tudo sem nenhum mandado de reintegração de posse ou qualquer tipo de ordem judicial. O prefeito, José Ronaldo de Carvalho, do alto de sua arrogância e prepotência, resolveu governar Feira de Santana através da barbárie. A reprodução de um acionar político típico da Ditadura militar-empresarial que torturou, perseguiu e assassinou milhares de pessoas no Brasil não é um acaso, José Ronaldo é um político formado no ARENA, partido oficial da Ditadura, que se utiliza do mesmo modus operandi, a perseguição política, a truculência, o poder paternalista, as “grandes obras”, a modernização conservadora, o falso discurso de progresso. Nesse processo, de governar a partir da barbárie e do fascismo, José Ronaldo tem usado a guarda municipal como uma milícia armada vinculada aos seus interesses e ao seu projeto de poder, que juntamente com capangas contratados através de empresas terceirizadas, tem imposto o seu “choque de ordem”, foi assim com a invasão e desocupação ilegal das obras do BRT e seus “túneis”, na repressão covarde aos trabalhadores e trabalhadoras ambulantes e é o que se desenha para a imposição do shopping no Centro de Abastecimento. Enquanto segue dando sequência aos seus projetos que fazem de Feira de Santana uma cidade cada vez mais excludente e segregada sócio-racialmente, governando para a elite racista, seu grupo político, o setor do capital e as diversas máfias que sustentam seu governo, José Ronaldo esconde os vários processos em que está envolvido, fraudes e crimes de sua gestão, como o recente escândalo da SMT, faz da Câmara de Vereadores um tipo de “casinha de cachorros” e conta ainda com a conivência e omissão das várias instâncias da justiça burguesa e dos governos federal e estadual. Romper o cerco da ditadura de José Ronaldo é uma tarefa urgente e fundamental, que passa por fora das urnas, da farsa eleitoral e dos interesses de uma oposição igualmente oportunista, deve partir do fortalecimento das organizações populares, do empoderamento através dos instrumentos de auto-organização nas periferias, favelas, locais de trabalho e estudo e do controle territorial, é necessário criar um povo forte e protagonista, que seja capaz de enfrentar e vencer o poder. A luta combativa contra o BRT, os cinquenta e dois dias de resistência popular e autônoma, o protagonismo da juventude preta e periférica, a ação direta como método fundamental, a dinâmica permanente de formação e cultura, a afirmação intransigente de independência frente aos partidos políticos e oportunistas de toda espécie, o rechaço contra todas as tentativas de tutelar nossa ocupação, é o exemplo que confirma a certeza de nosso caminho e vocação. Somos a Feira de Santana rebelde e libertária. A resistência payayá ao colonizador branco, a rebelião de Lucas contra a escravidão, a ousadia de Maria Quitéria na guerra de independência, a rebeldia de George Américo nas ocupações de terra, a coragem de Luís Antônio Santana Bárbara contra a Ditadura. Abaixo a ditadura de José Ronaldo! Construir uma alternativa popular e libertária! Lutar e vencer! Leia também 10 anos do Vermelho e Negro e a retomada de nossa linha política revolucionária, libertária e anticolonial Versão em PDF do boletim completo.

10 years of Vermelho e Negro and the recapture of our revolutionary libertarian and anticolonial political line

In 2005, we began the mission of constructing an anarchist organization in Bahia. We started as a work space – a small study group in Feira de Santana, where militants involved in the student movement, the Black movement, community organizing and counterculture gathered. We took part in the national construction of the FAO (Forum do Anaquismo Organizado) and gave ourselves the name of our group, “Vermelho e Negro” (Red and Black). Red and Black makes reference to the traditional colors of anarchism and Exu, the Black rebellion against slavery, the rage and anticolonial uprising. Within the foundation of the study group, the organizational leap to an organized anarchist group was in 2006, as with the start of the construction of networks in other cities for the formalization of a state organization, until we lost consistency and decided to stop the activities of the Red and Black in 2011. Our activists were involved with militant struggles for the youth and working class students, women workers, those on the outskirts of town, for LGBT rights and against homophobia, for public transportation, for the right to the city, workplace organizing, struggles for Black people and against racism, in rural and urban occupations, popular education, struggles for indigenous people and dozens of solidarity activities and mutual aid. A quote from Bakunin in one of the documents from Red and Black really encapsulate the first phase of our organization, the Russian Anarchist in our first references, from “Tactics and discipline of the revolutionary party”, said that “we have for better or worse built a small party: small, in the number of men who joined it with full knowledge of what we stand for; immense, if we take into account those who instinctively relate to us, if we take into account the popular masses, whose needs and aspirations we reflect more truly than does any other group.” The experience of Red and Black has also had a fundamental importance in breaking the Eurocentric block of Brazilian anarchism, a pioneering role in the country to merge libertarian ideology with anti-colonial thought, recognizing our ancestral values and affirming the role of black people in the process of revolutionary social transformation, re-vindicating anarchism as an ensemble of forged methods in the struggle for liberation of the people and dreams of emancipation. In these 10 years since the founding, and with only a period without functioning in our organic instinct, we resumed our political line as the core founder of the Red and Black, we reaffirmed our strategy and we continue improving our methods. We do not recognize the necessity of anarchist organization with a public face like before. We see the need to promote a libertarian and anti-colonial current; in which we propose to call “quilombismo”, as synonymous to the militant anarchism that we defend, a revolutionary and libertarian concept that breaks statist logic and the pacifism of “quilombismo reformism” and the white and Eurocentric hegemony within anarchism the same time; and it fuses elements of Pan -Africanism and of “Panterismo”. [Black Panther Party tradition in the US] We continue our task, to bring down our capitalist civilization, to defeat white supremacy, the state and capital, constructing the struggles of our people on the way to liberation. Estrategia Libertaria, February 2016, Bahia, Brazil. Special Edition, 10 years of Red and Black. * Tradução do texto em inglês publicada originalmente no caderno Black Anarchism: A Reader, da Black Rose Anarchist Federation / Federación Anarquista Rosa Negra.

10 anos do Vermelho e Negro e a retomada de nossa linha política revolucionária, libertária e anticolonial

Em 2005 iniciamos a tarefa de construção de um organização anarquista na Bahia, começamos como um espaço de formação, um pequeno grupo de estudos em Feira de Santana, onde confluíram militantes envolvidos em lutas estudantis, movimento negro, atividades comunitárias e contracultura. Tomamos parte na construção nacional do Fórum do Anarquismo Organizado (FAO) e demos nome ao nosso grupo, Vermelho e Negro fazia referência as cores tradicionais do anarquismo e à Exu, a rebeldia negra contra a escravidão, a fúria e a revolta anticolonial. Entre a fundação do grupo de estudos, o salto organizativo para um grupo anarquista organizado em 2006 e o início da construção de núcleos em outras cidades para a formalização de uma organização estadual, até perdermos a regularidade e decidir parar as atividades do Vermelho e Negro em 2011, nossa militância esteve envolvida em lutas combativas da juventude e dos estudantes pobres, das mulheres trabalhadoras, nas periferias, pelos direitos LGBT e contra a homofobia, por transporte público, pelo direito à cidade, organização por local de trabalho, lutas do povo negro e contra o racismo, em ocupações urbanas e rurais, educação popular, lutas dos povos originais e em dezenas de atividades de solidariedade e apoio mútuo. Uma citação de Bakunin em um dos documentos do Vermelho e Negro sintetiza bem essa primeira fase de nossa organização, o anarquista russo e uma de nossas principais referências, dizia em Tática e Disciplina do Partido Revolucionário, que “nós, bem ou mal, conseguimos formar um pequeno partido; pequeno em relação ao número de pessoas que aderiu a ele com conhecimento de causa, mas imenso com respeito a seus aderentes instintivos, a estas massas populares cujas necessidades representamos melhor que qualquer outro partido.” A experiência do Vermelho e Negro também teve importância fundamental em romper o bloqueio eurocêntrico no anarquismo brasileiro, um papel pioneiro no país em fundir a ideologia libertária e o pensamento anticolonial, reconhecendo nossos valores ancestrais e afirmando o protagonismo do povo negro no processo de transformação social revolucionária, reivindicando o anarquismo como um conjunto de métodos forjados nas lutas de libertação dos povos e sonhos de emancipação. Leia a versão do texto em inglês publicada originalmente no caderno Black Anarchism: A Reader [migre.me/t8xF7], da Black Rose Anarchist Federation / Federación Anarquista Rosa Negra. Leia também: Construir resistência popular e enfrentar a barbárie ronaldista Versão em PDF do boletim completo.

Edição especial do boletim Estratégia Libertária

“Em 2005 iniciamos a tarefa de construção de um organização anarquista na Bahia, começamos como um espaço de formação, um pequeno grupo de estudos em Feira de Santana, onde confluíram militantes envolvidos em lutas estudantis, movimento negro, atividades comunitárias e contracultura. Tomamos parte na construção nacional do Fórum do Anarquismo Organizado (FAO) e demos nome ao nosso grupo, Vermelho e Negro fazia referência as cores tradicionais do anarquismo e à Exu, a rebeldia negra contra a escravidão, a fúria e a revolta anticolonial. Entre a fundação do grupo de estudos, o salto organizativo para um grupo anarquista organizado em 2006 e o início da construção de núcleos em outras cidades para a formalização de uma organização estadual, até perdermos a regularidade e decidir parar as atividades do Vermelho e Negro em 2011, nossa militância esteve envolvida em lutas combativas da juventude e dos estudantes pobres, das mulheres trabalhadoras, nas periferias, pelos direitos LGBT e contra a homofobia, por transporte público, pelo direito à cidade, organização por local de trabalho, lutas do povo negro e contra o racismo, em ocupações urbanas e rurais, educação popular, lutas dos povos originais e em dezenas de atividades de solidariedade e apoio mútuo.” Leia o texto completo: 10 anos do Vermelho e Negro e a retomada de nossa linha política revolucionária, libertária e anticolonial “Madrugada de segunda-feira, 26 de outubro de 2015. Quinquagésimo segundo dia de resistência. Por volta das 4:20 da manhã, cerca de 60 capangas contratados e guarda municipais armados arrebentam o cadeado do portão dos fundos do canteiro de obras do BRT e invadem a ocupação na avenida Maria Quitéria, aterrorizando as e os militantes que dormiam no local, nos arrastando de dentro das barracas, quebrando nossos pertences e nos imobilizando. Na sequência, após revistas violentas, montam cercos de guardas armados nas duas entradas do canteiro de obras. Tudo sem nenhum mandado de reintegração de posse ou qualquer tipo de ordem judicial. O prefeito, José Ronaldo de Carvalho, do alto de sua arrogância e prepotência, resolveu governar Feira de Santana através da barbárie.” Leia o texto completo: Construir resistência popular e enfrentar a barbárie ronaldista 

Lançamento da edição brasileira do livro Anarquismo e Revolução Negra

A Casa da Resistência e o Coletivo Editorial Sunguilar convidam para o lançamento da edição brasileira do livro Anarquismo e Revolução Negra, do irmão e inspiração Lorenzo Kom’boa Ervin, ex-pantera negra e militante da Black Autonomy Federation, além do debate sobre os 10 anos de fundação do grupo anarquista Vermelho e Negro e lançamento da edição especial do boletim Estratégia Libertária. A atividade é no dia 30 de janeiro, sábado, ás 15h, na Casa da Resistência, que fica na rua César Martins da Silva, nº 35, no centro de Feira de Santana. O livro Anarquismo e Revolução Negra pode ser baixado gratuitamente bit.ly/1lwrfki.

O papel das linhas auxiliares na manutenção da supremacia branca

Apontamentos estratégicos sobre a luta contra Genocídio do Povo Negro (II)  “Nós não amamos nossos opressores, não queremos agradá-los e esmolar seus cargos e editais. Estamos criando na prática autogestionária, autonomista, pan-africanista, uma ferramenta de autodefesa que tem criado incômodo nos comandos das policiais, nas tropas, nos governos genocidas de esquerda e direita e nos ativistas que veem seu projeto governista afundar. Que afundem sozinhos, que mergulhem com sua mágoa entre vocês. Abandonem-nos.“ Hamilton Borges Walê [1] Já estamos em 2016 e dizem por aí que Oxalá vai reger o ano.  É verão e estamos nas ruas sangrentas da Bahia de Rui Costa (PT), onde, segundo dados subnotificados da Central de Telecomunicações das Polícias Civil e Militar da Bahia (Centel) [2], trinta pessoas foram assassinadas na cidade de Salvador no segundo fim de semana do ano. Interior adentro o rastro de sangue continua; três pessoas assassinadas no primeiro dia do ano em Cruz das Almas. Sete pessoas assassinadas em seis dias na cidade de Feira de Santana. Estamos na Bahia, terra desgraçada onde a cada cinco pessoas assassinadas pela polícia, cinco são negras. Os dados são apenas números, tabulações e curvas de nível, não dão conta de dimensionar o terror racial nas ruas, muito menos o assombro que causam os miolos espalhados no asfalto, a dor dos ossos quebrados em torturas e da carne lacerada por disparos de arma de fogo. Os dados não mensuram a neurose. Você fica em uma neurose tá ligado cêro. Aquela sensação, quase uma certeza, que será o próximo corpo abatido.  Aí você sai de casa e tem a convicção que pode não voltar. A neurose do motor à diesel e giroflex. Trombou de frente com a tático na madruga já sabe; entrou na mala, amanheceu na vala, no Cia ou na Estrada das Águas, todo picotado e embalado para viajem pro fundo da represa. Há também uma atmosfera de medo. O medo da morte prematura; de deitar na cova rasa, seja por bala ou pela maca. O medo de ser impedido de criar seu rebento; ou de nunca ter. O medo de não brincar com seus netos. O medo de nunca mais ver a pessoa que ama, de nunca mais sentir o cheiro dela ou de não sentir o peso de suas coxas sobre seu corpo.  O medo de burlar a ordem natural das coisas e ser enterrado por sua mãe. O medo de adormecer; dos repetidos pesadelos, torturado na mata; chute no saco, costela quebrada e tiro na cara. Você começa a ver os rostos deformados dos pivetes bagaçados; ouvir as súplicas das tias por justiça e o clamor por vingança dos país. O medo de não cumprir a simples tarefas de contabilizar e nominar os corpos. A neurose do arrebento. Estamos na Bahia, onde está lotado o Quartel dos Aflitos, o mais antigo quartel da Polícia Militar do Brasil. Aqui a polícia que mais mata no mundo ainda ganha gratificação financeira. Jovens negros são assassinados todos os dias prematuramente por disparos de arma de fogo.  Há um aumento exponencial de mulheres negras que tem se matado por não suportarem a dor de terem que enterrar seus filhos em sua idade mais produtiva.  Homens negros, despedaçados psicologicamente por não conseguiram salvar seus rebentos da besta, tem consumido endemicamente drogas pesadas; crack, cachaça e cocaína.  As famílias negras estão sendo fraturadas e aniquiladas. A cena é triste e por mais que os hippies planejem “rebeliões” pelas redes sociais e se sintam “chocados” com os pivetes bagaçados com 68 ou 111 tiros, não há espaço para afetação ideológica. Diante desse quadro de holocausto nós da Campanha Reaja ou Será Morta/o há mais de 10 anos estamos enfrentando o terror racial nas ruas e colocando por terra a etiqueta racial da submissão. Nos inserimos como combatentes nesse cenário de guerra. Para quem não sabe, e triste do negro/a que não saiba, na Bahia há uma guerra racial de alta intensidade contra a comunidade negra. Essa guerra de alta intensidade tem sido a principal estratégia utilizada pela supremacia branca, de esquerda e direita, para perpetuação, ramificação e interiorização dos multifacetados dispositivos estatais e paraestatais que compõem o continuum Genocídio do Povo Negro. É uma guerra em todos os termos; nos disparos, nos calibres, nas perfurações e na idade prematura dos assassinatos. Uma guerra que possui múltiplas dimensões; físicas, psicológicas, químicas e afetivas. Essa guerra racial contra negros/as tem se intensificado nos últimos 13 anos diante da intrincada teia de dispositivos militares do governo supremacista branco do PT. Dispositivos diretos e indiretos, diretos como a crescente legitimação institucional de chacinas e massacres como modus operandi na ação policial [3]. Ou dispositivos indiretos; cooptação racial, neutralização e vigilância de organizações radicais negras. Nesses termos na análise que segue trataremos especificamente de um desses dispositivos: as linhas auxiliares da supremacia branca. O tema das linhas auxiliares foi um debate tático em variados contextos insurrecionais radicais negros, seja de libertação nacional ou na luta por direitos fundamentais. Usualmente o debate se encaixa no contexto da teoria política pan-africanista das elites negras [4], tendo em obras como, Declaramos Guerra ao Inimigo Interno e África deve unir-se, como algumas de nossas referências clássicas para análise em tela. De maneira geral as elites negras; financeiras, intelectuais e burocráticas, mantém o seu status quo racial, às custas de serem mantenedores de uma etiqueta racial da subjugação, que busca a incorporação com as estruturas de poder branco e não sua demolição por completa. Como alerta o antigo líder da organização nacionalista negra Nação do Islã: “A chamada elite negra, subsiste das migalhas da filantropia branca e do que pode ser espremido ou extorquido do magro rendimento dos operários negros.” (Elijah Muhammad, O Poder Negro) Diante dessa conjuntura, para os fins organizacionais da presente análise, entendemos por linhas auxiliares ou forças auxiliares, o conjunto de instâncias estatais, paraestatais e da iniciativa privada, que compõem a intrincada rede política de alianças da supremacia branca no contexto específico de uma guerra racial de alta intensidade. As linhas auxiliares sustentam o projeto civilizacional da supremacia branca em momentos de crise. Além de controlar ideologicamente a opinião pública; seja legitimando o projeto genocida em curso; ou subdimensionando o impacto da guerra racial na comunidade negra. No contexto específico da guerra

CHACINAS, MASSACRES E TERRORISMO RACIAL NA BAHIA

“Você cria um ódio, você cria uma carga emocional e vai juntando marcas no corpo por conta das agressões dos policiais nas abordagens violentas, cicatrizes de tiros e o medo, o pânico, o assombro, o alcoolismo, o abuso de drogas, doenças próprias de quem vive em guerra.” Hamilton Borges Walê No último dia 30 de novembro, o governador das chacinas, Rui Costa (PT), anunciou um projeto de lei para aumentar o Pagamento de Prêmio de Desempenho Policial (PDP), segundo o governador: “isso significa, de forma clara e objetiva, prioridade na Segurança Pública, compreendendo que o papel dos polícias civis e militares é fundamental para a redução da violência no nosso estado”. Na prática, um eufemismo para gratificação faroeste. Ou seja, prêmio em dinheiro para o batalhão que mais mata pretos durante o semestre. Serão cerca de R$ 42 milhões investidos através do Pacto Pela Vida em mais um novo dispositivo de massacre racial, que tem como objetivo incentivar financeiramente, moralmente e institucionalmente, os batalhões. Sobretudo, as Companhias Independentes a empreender um padrão operacional policial centrado em chacinas e massacres de negros/as. Há mais de 10 anos a Campanha Reaja ou Será Morta/o vem organizando um movimento intracomunitário negro, centrado em uma ação estratégica de enfrentamento ao Genocídio do Povo Negro, especificamente em suas formas mais diretas: o assassinato em massa de jovens negros e o encarceramento em massa do nosso povo. Nossa organização tem batido de frente com a política de segurança pública da Bahia, evidenciando sua estrutura supremacista branca, seus dispositivos operacionais de massacre racial e a institucionalização das chacinas como modus operandi formal na ação policial. Há uma guerra racial de alta intensidade em curso que tem trazido terror às comunidades negras na Bahia. Cabe a nós, a linha de defesa do nosso povo, construirmos estratégias de sobrevivência, recrudescermos nossas tecnologias de autodefesa comunitária e desvendarmos as manobras militares do inimigo. A guerra racial em curso contra os negros na Bahia, nada mais é que uma das dimensões do conjunto de dispositivos estatais e paraestatais que constituem o processo de Genocídio que o Povo Negro está submetido no Brasil. Nesses termos a análise que segue é, sobretudo, ou tão somente, a tentativa de codificar três aspectos centrais na política de segurança pública genocida protagonizada pela Secretaria de Segurança Pública da Bahia (SSP-BA) nos últimos 12 anos: a política de subnotificação dos dados de homicídios de negros/as na Bahia como tática para invisibilizar o Genocídio em curso, incorporação das Chacinas com modus operandi público-institucional da corporação policial, a perseguição política e conluios planejados pela SSP-BA para assassinar militantes de nossa organização. No dia 15 de outubro, foi divulgado pela Secretaria Nacional de Segurança Pública dados do relatório Diagnósticos no Brasil: Subsídios para o Pacto Nacional pela Redução de Homicídios. Segundo o relatório, a região com a maior taxa de homicídios dolosos do país é o Nordeste (33,76), acompanhada da região Norte (31,09) e do Centro-Oeste (26,26). As regiões Sudeste e Sul apresentam taxas menores, 16,91 e 14,36 respectivamente.  Ainda, segundo o mesmo documento, a Bahia tem o maior número de homicídios do país e apenas em 2014 cerca de 5.450 baianos foram assassinados. Esses dados podem ser novidade para mídia de rapina, entretanto, já no ano de 2014 a própria SSP-BA, tornou público, mesmo que de maneira pouco divulgada, os dados de morte na guerra racial na Bahia. Segundo a SSP-BA (2014), apenas em Salvador 1.320 pessoas foram assassinadas no ano de 2014 e 450 pessoas assassinadas ao somarmos os números de óbitos por assassinato em regiões metropolitanas como Lauro de Freitas e Simões Filho. Mais adentro no sertão a governabilidade da morte negra se recrudesce, como no caso de cidades como Feira de Santana (430 assassinatos), Itaberaba (35) e Vitória da Conquista (161). Sabemos que o montante de corpos negros abatidos na Bahia é ainda mais catastrófico, por não dimensionar os óbitos ocasionados pelos grupos de extermínio, esquadrões da morte e milícias que espalham terror nas comunidades negras, na capital e no interior da Bahia. Ou dos homicídios praticados por policiais em serviço, sobretudo, aqueles ligados aos pelotões de elite da polícia militar e civil. A Chacina tornou-se publicamente o padrão operacional nas ações das Companhias Independentes de Policiamento Tático. As Companhias Independentes de Policiamento Tático tem ocupado um papel central na política de segurança pública Genocida do ex-governador Jacques Wagner (PT) e do atual governador Rui Costa (PT). Não é por acaso que o Programa Pacto Pela Vida elegeu as Companhias Independentes; Caatinga, Litoral Norte, Cerrado, Peto, Rotamo, Rondesp, dentre outras, para investir frondosos recursos financeiros, logísticos, tecnológicos e em seu arsenal bélico. A Rondesp, por exemplo, surge a partir de uma operação do antigo Comando de Policiamento da Capital em 2002, que na época possuía uma única viatura operacional. Hoje possuí sede própria na capital baiana, carga de armamento bélico, helicóptero, viaturas padronizadas, efetivo próprio e há poucos meses instalou uma nova base operacional em Feira de Santana. O fortalecimento logístico-institucional das Companhias Independentes tem tornado as Chacinas e Massacres uma prática pública, amplamente divulgada e institucionalizada na ação policial na Bahia. Temos o entendimento organizacional que esse padrão operacional policial alicerçado na morte prematura de famílias negras tem como papel central uma guerra racial de alta intensidade contra os negros na Bahia. A governabilidade centrada na morte prematura e violenta da comunidade negra na Bahia tem estabelecido tecnologias institucionais de legitimação das chacinas e massacres cometidos por policiais em serviço. Esses dispositivos de convencimento da “opinião pública” tem a noção de guerra às drogas um aspecto central. Há também dispositivos jurídicos, como no caso da absorção política dos policiais envolvidos na Chacina do Cabula. Segundo cruzados os dados entre o Anuário Brasileiro de Segurança Pública e os boletins divulgados pela SSP-BA, apenas na gestão de Mauricio Teles Barbosa, pelo menos, 17 chacinas foram contabilizadas.   Recentemente, no último dia 17 de outubro, 9 jovens negros foram executados por policiais militares em serviço na cidade de Sento Sé, no interior da Bahia. Assim como na internacionalmente conhecida Chacina do Cabula, a justificativa da execução foi uma suposta tentativa de assalto a banco. Nossa organização tem analisado e sentido na pele como a SSP-BA tem, nos últimos anos,

RETOMAR A QUILOMBAGEM!

Comunicado sobre a retomada das atividades do Coletivo Quilombo na Bahia. Entre barricadas, atos de rua, ocupações e trabalho militante cotidiano o Coletivo Quilombo se desenvolveu como uma referência de ação direta popular e luta libertária. Fundado em 2007, ainda como um pequeno grupo de estudantes de História da Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS), o Coletivo Quilombo teve importante presença nas lutas populares locais. Foram lutas da juventude e dos estudantes pobres, das mulheres trabalhadoras, nas periferias, pelos direitos LGBT e contra a homofobia, por transporte público, pelo direito à cidade, nas lutas do povo preto e contra o racismo, em ocupações urbanas e rurais, em trabalhos de educação popular, nas lutas dos povos originais e em diversas atividades de solidariedade com os de baixo até 2012, quando perdemos a regularidade das nossas atividades e nossa organicidade. Desde o ano passado reabrirmos as discussões em torno do nosso projeto, a partir de um necessário balanço e de uma profunda autocrítica e agora com ânimo renovado anunciamos publicamente que estamos retomando o Coletivo Quilombo. Retomando um processo interrompido. Retomando a construção de um programa desde as lutas concretas e imediatas até o projeto de ruptura revolucionária de longo prazo. Reconstruir os mocambos, fortificar nossas defesas. Nosso projeto segue anticapitalista e libertário, acreditando na necessidade do protagonismo popular, nas formas horizontais de organização e no empoderamento real de nosso povo através dos espaços de auto-organização nas favelas e comunidades, nas ocupações, nas escolas e universidades, no campo, nas fábricas e locais de trabalho.       Um trabalho duro nos espera para reconstruir nossas frentes sociais e retomar a regularidade em nossas atividades, que vamos seguindo com humildade e persistência nos caminhos, lutas e sonhos de libertação e emancipação popular, tendo sempre como horizonte criar um povo forte. Também retomamos o funcionamento e as atividades em nossa sede, a Casa da Resistência, que é um centro social ocupado desde 2009 e funciona como um espaço solidário no centro da cidade de Feira de Santana. Além disso, apontamos a necessidade da abertura de um processo de debate e construção de unidade entre os setores militantes combativos e autônomos para a formação de um novo campo político-social libertário na Bahia que possa se colocar enquanto alternativa para os novos tempos de luta, assim como, fomentar um processo mais amplo sobre a necessidade de uma frente anticapitalista, da esquerda antigovernista e dos movimentos sociais combativos que possa dar respostas à ofensiva da direita e da extrema-direita no país, aos ataques dos governos aos direitos sociais e a violência estatal e paraestatal contra o povo pobre, preto e periférico e as comunidades tradicionais.    É isso, estamos de volta e continuamos gritando: LUTAR! CRIAR! PODER POPULAR!    Protagonismo popular, pelo fim de um povo figurante!Coletivo Quilombo – Construindo Resistência Popular Maio de 2015

400 famílias do MST ocupam fazenda improdutiva em Feira de Santana

Na noite de sábado, 2 de abril, cerca de 400 famílias de Feira de Santana organizadas pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) ocuparam uma fazenda improdutiva de 1.500 hectares que pertencia ao Governo do Estado, próxima ao bairro Viveiros e às margens do Rio Jacuípe. Segundo informações da coordenação do MST, está área esteve dentro do projeto de expansão do Centro Industrial do Subaé (CIS), mas por ficar próxima a uma área de proteção ambiental (APA) foi descartada. O objetivo do Movimento nesta ocupação é também colocar na ordem do dia o  debate sobre a Reforma Agrária em Feira de Santana, visto que existem mais cinco áreas improdutivas em locais próximos ao novo acampamento. A ocupação teve o apoio de diversos outros grupos e movimentos sociais de Feira de Santana e do Acampamento Estrela Vive na Fazenda do Mocó. Manter a área preservada é um dos objetivos do MST na área. Outras duas ações foram realizadas no estado, uma em Sátiro Dias (região do sisal) e outra próxima a Santo Amaro, na BR-324. No mês de abril o MST retoma com luta a memória dos mártires do Massacre Eldorado dos Carajás, que tem seu ápice em 17 de abril, transformado no Dia Internacional de Luta por Reforma Agrária e Paz no Campo. No dia 11, está programada pelo MST-BA uma mobilização na capital, Salvador, para que o Governo da Bahia retome a pauta da Reforma Agrária no estado, mobilização que também acontecerá em outros estados do país. Por Feira de Todas as Lutas Abril de 2011