Ivan Seixas, ex-preso político e guerrilheiro do MRT, fala sobre a luta armada contra a ditadura e o justiçamento de Boilesen

No marco dos 50 anos do justiçamento do empresário fascista Henning Albert Boilesen, entrevistamos o camarada Ivan Akselrud de Seixas, jornalista, ex-preso político e guerrilheiro urbano do Movimento Revolucionário Tiradentes, o MRT. Em 15 de abril de 1971, o Comando Devanir José de Carvalho, composto pela ALN, a Ação Libertadora Nacional, e o MRT, justiçou Albert Boilesen na alameda Casa Branca, em São Paulo. Devanir José de Carvalho, o Comandante Henrique, fundador do MRT e homenageado na ação havia sido assassinado pela ditadura no dia 7 de abril de 1971. A ALN, o MRT e outras organizações como a Vanguarda Popular Revolucionária (VPR), o Partido Comunista Brasileiro Revolucionário (PCBR) e o Movimento Revolucionário 8 de Outubro (MR-8) se articulavam na Frente Armada e resistiam a uma brutal repressão no início dos anos 1970. A ação que justiçou Albert Boilesen foi comandada por Carlos Eugênio da Paz, o Clemente, então comandante militar da ALN.     Boilesen, dinamarquês naturalizado brasileiro, era presidente do grupo Ultragaz e um dos organizadores do apoio empresarial ao regime dos generais. Articulava as doações de empresários à Operação Bandeirantes, a famigerada OBAN, acompanhando e participando pessoalmente de sessões de tortura. Na entrevista, o camarada Ivan Seixas nos fala também sobre sua atuação no MRT, a esquerda armada, o papel do PCB, o imperialismo e a relação da burguesia brasileira com a ditadura. CDR: Saudações camarada Ivan, primeiro gostaríamos que se apresentasse aos nossos leitores e falasse um pouco sobre sua trajetória e o Movimento Revolucionário Tiradentes. Ivan Seixas: Sou filho de um casal de comunistas, que se conheceram dentro da sede do Partido Comunista, no Rio de Janeiro. Meu pai era um operário mecânico, paraense, filho de pernambucano com cearense, e minha mãe era uma professora de ensino primário, gaúcha, filha de imigrantes russos, fugitivos dos massacres czaristas. Eu nasci em Porto Alegre, Rio Grande do Sul, num bairro miserável, quase uma favela, e desde cedo vi meus pais e muitas outras pessoas lutando por condições mínimas de sobrevivência, tais como água, luz, esgoto, transportes, escolas e posto de saúde, entre outras. Meus pais foram expulsos do PCB, em 1953, por criticarem a linha política de uma direção que não tinha como objetivo a tomada do poder. Continuaram a lutar contra a ditadura da burguesia nos movimentos populares e sindicais. As lutas contra a ditadura econômica da burguesia foram agravadas quando houve o golpe militar, em 1964. Todas as pessoas que lutavam por conquistas mínimas de sobrevivência para a classe trabalhadora, passaram a lutar contra a ditadura política implantada pelos militares a serviço da burguesia. À época do golpe de Estado meu pai trabalhava na Petrobras e atuava no sindicato da categoria. Por essa causa perdeu o emprego e passou a constar nas listas sujas, que tinham os nomes dos inimigos da ditadura, que não poderiam ter empregos em nenhuma empresa, pública ou privada. O objetivo era fazer os que lutam passar fome com suas famílias. Meu pai, e por extensão toda a família, passou a fazer parte de organizações clandestinas de luta contra a ditadura. No Rio Grande do Sul, para onde voltamos após o golpe, na tentativa de fugir das listas sujas, meu pai se integrou a um movimento clandestino, que reunia ex-militares brizolistas e comunistas decepcionados com a inação do PCB e sua direção. Era o MR-26 – Movimento Revolucionário 26 de Março, que tinha esse nome por ser remanescente da primeira experiência de luta armada do Brasil pós-golpe, que é conhecida como “Guerrilha de Três Passos”, comandada pelo ex-coronel Jefferson Cardim e que foi deflagrada nesse dia. Em 1970, meu pai foi contatado por um companheiro de Petrobras e do sindicato dos petroleiros, que há tempos tentava esse contato. Trazia um convite dos companheiros do MRT – Movimento Revolucionário Tiradentes, que aglutinava forças na sua luta armada, em São Paulo. O convite foi aceito e nossa família se transferiu para a capital paulista para integrar a luta contra a ditadura. O MRT era uma organização revolucionária composta apenas por operários e trabalhadores de vários segmentos. O comandante da organização, Devanir José de Carvalho, era um torneiro mecânico e fundador do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC paulista, tinha sua base de atuação nessa categoria e nessa região. O segundo comandante era o operário da indústria gráfica Dimas Antônio Casemiro, nascido e atuante na região de Votuporanga, com família de camponeses. O terceiro comandante passou a ser meu pai. Todos comunistas de longa militância e marcados pela divergência com a direção reformista do PCB, desde antes do golpe. O nome do Movimento Revolucionário Tiradentes é uma homenagem ao MRT, braço armado das Ligas Camponesas, criado por Francisco Julião, em 1961. Vários militantes comunistas atuavam nessa organização das Ligas Camponesas como tarefa de seus partidos, notadamente o PCdoB – Partido Comunista do Brasil, que depois romperam com esse partido por ocasião do golpe e foram militar nas organizações de luta armada urbana. Entre esses havia vários que depois foram fundar o MRT em que eu atuei. Era a sinalização de que era uma organização de luta para a tomada do poder. Desde sua origem, o MRT atuou na ação armada e na busca de unidade das várias organizações de luta armada. A sua primeira grande ação foi a captura do cônsul japonês, em São Paulo, feita junto com a VPR – Vanguarda Popular Revolucionária, liderada pelo capitão Carlos Lamarca. A marca da organização sempre foi a dedicação radical e ostensiva na ação contra o inimigo, e a busca da unidade das esquerdas empenhadas na luta armada, numa grande Frente Armada. A linha política central do MRT era marxista-leninista e se definia como um “movimento”, que buscava a reorganização do Partido Comunista, que julgava extinto no Brasil. Por ser leninista, entendia que a luta armada é a forma eficaz e efetiva para a tomada do poder. Por não aceitar a ação armada desgarrada do trabalho político junto às massas trabalhadoras, o grupo dedicado às ações armadas era composto por, no máximo, dez pessoas. Nunca passamos de oito, mas a

VIVA OS 50 ANOS DO JUSTIÇAMENTO DE BOILESEN

Em 15 de abril de 1971, há 50 anos, o Comando Devanir José de Carvalho, formado pela Ação Libertadora Nacional (ALN) e pelo Movimento Revolucionário Tiradentes (MRT) justiçava o sádico empresário dinamarquês, naturalizado brasileiro, Henning Albert Boilesen. A heroica ação mostrou ao mundo a relação direta e umbilical entre a ditadura militar fascista, o empresariado brasileiro e as multinacionais. Albert Boilesen era presidente do Grupo Ultragaz e fundador do Centro de Integração Empresa Escola (CIEE), um dos organizadores do apoio dos empresários à Operação Bandeirante, a OBAN, embrião do DOI-CODI e composta por membros da Aeronáutica, Marinha, Polícia Federal, SNI e órgãos do Governo de São Paulo, que torturou e assassinou centenas de trabalhadores e militantes revolucionários. O Grupo Ultragaz, foi uma das cerca de 80 empresas brasileiras e multinacionais que forneciam apoio ou suporte direito à repressão, entre elas a Volkswagen, FIAT, Chrysler, Ford, General Motors, Toyota, Scania, Rolls-Royce, Mercedes Benz, Brastemp, Telesp, Kodak, Caterpillar, Johnson & Johnson, Petrobras, Camargo Corrêa, Embraer, Monark e outras. Boilesen, assim como, Paulo Henrique Sawaya Filho e Geraldo Resende Matos faziam parte do Grupo Permanente de Mobilização Industrial, frequentando assiduamente o DOPS paulista, participando pessoalmente das sessões de tortura e organizando a relação direta entre industriais como Nadir Dias de Figueiredo da FIESP, bancos e multinacionais com os centros de tortura, a repressão e os assassinatos políticos coordenados pelos delegados Romeu Tuma e Sérgio Paranhos Fleury, que dirigia também o Esquadrão da Morte. O auge da repressão no governo do general Emílio Garrastazu Médici, entre 1969 e 1974, após o AI-5, era uma resposta a ascensão das lutas do povo brasileiro contra a ditadura militar-empresarial, com as grandiosas manifestações estudantis, principalmente a Passeata dos Cem Mil no Rio de Janeiro, e as combativas greves operárias de 1968, como em Contagem (MG) e Osasco (SP), e ao avanço das ações das organizações da luta armada. Diante do imobilismo e da covardia da direção do Partido Comunista Brasileiro (PCB) em construir a resistência ao golpe de Estado de 1964 que derrubou João Goulart e a ditadura militar que se seguiu, um primeiro setor ligado ao trabalhismo e militares nacionalistas perseguidos iniciou a luta armada, primeiro com a Guerrilha de Três Passos (1965) e depois com a Guerrilha do Caparaó (1966-67). Com a radicalização de parte da esquerda cristã através da Ação Popular (depois Ação Popular Marxista Leninista), a saída de parte importante da direção do Partidão que ainda em 1962 formou o PCdoB maoísta, setores da POLOP (Organização Revolucionária Marxista Política Operária) favoráveis a luta armada e os rachas no PCB que deram origem ao Agrupamento Comunista de São Paulo, depois ALN, ao PCBR e as Dissidências Internas a partir de 1967, formou-se um amplo campo de setores que defendiam diferentes concepções de luta armada no Brasil e também atuavam nas lutas operárias, camponesas e estudantis. Em 1968, no auge das lutas populares combativas e ações armadas a esquerda brasileira conseguia balançar o poder da ditadura. Carlos Marighella, em sua “Mensagem aos operários do Brasil através da Rádio Havana – Cuba”, em 1967, durante sua partição na Conferência da Organização de Solidariedade Latino-americana, a OLAS, quando seria expulso do PCB, definia a situação histórica da seguinte forma: “É um círculo vicioso. O movimento de massas avança, em seguida é detido pelo golpe militar. Passa-se algum tempo de ditadura, mais ou menos duradouro, que nada resolve para o povo. Vem a desmoralização dos ditadores. Surgem os líderes burgueses que pleiteiam eleições e democracia para salvar o país (Lacerda, Frente Ampla, etc.). O movimento de massas cresce mais uma vez. Em seguida vem um novo golpe militar e tudo recomeça. É que por meio de eleições ou pela via pacífica jamais o povo brasileiro se libertará. Não há outro caminho para os trabalhadores senão conquistar o poder pela violência e destruir o aparelho burocrático militar do Estado, substituindo-o pelo povo armado.” Com o AI-5 em dezembro de 1968, a atuação ainda mais direta do imperialismo norte-americano nas ações militares e o governo Médici a partir de 1969, a repressão foi tomando contornos cada vez mais brutais e se ampliando também para setores da cultura, da classe média progressista e até mesmo da pequena-burguesia. Do outro lado, as organizações armadas que enfrentavam e resistiam à ditadura com a violência revolucionária formam a Frente Armada, articulando a ALN (maior organização guerrilheira e que havia perdido seus dois principais dirigentes, Marighella em 1969 e Joaquim Câmara Ferreira em 1970), o MRT, a Vanguarda Popular Revolucionária (VPR), o Partido Comunista Brasileiro Revolucionário (PCBR), o Movimento Revolucionário 8 de Outubro (MR-8, a antiga Dissidência Interna da Guanabara) e outras com menor participação. É nesse ambiente de aumento da repressão que Devanir José de Carvalho, o Comandante Henrique, operário guerrilheiro e fundador do Movimento Revolucionário Tiradentes (MRT) é sequestrado em 5 de abril, barbaramente torturado e assassinado pela ditadura no dia 7 de abril de 1971, quando a ALN e o MRT decidem executar Boilesen, que havia sido reconhecido por militantes torturadas. A ação que justiçou Albert Boilesen foi comandada por Carlos Eugênio da Paz, o Clemente, então comandante militar da ALN. A execução de Boilesen teve importância fundamental por revelar a participação direta e financiamento da empresários vinculados à Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (FIESP) nas torturas e assassinatos políticos. O dinamarquês era responsável pelo caixinha dos empresários, e além de “cobrar ingresso” para outros empresários acompanharem sessões de tortura, fornecia instrumentos aos torturadores, um deles ficou conhecido como a “pianola Boilesen”. A ação do Comando Devanir José de Carvalho ocorreu na alameda Casa Branca, em São Paulo, mesmo rua onde Marighella havia sido executado em 4 de novembro de 1969, e deixou muito evidente o papel dos empresários não só na articulação com a ditadura militar, como no sadismo em participar das sessões torturas de militantes da luta armada e de trabalhadoras e trabalhadores, visto que as empresas que participavam e apoiavam a ditadura usaram também a repressão, os métodos de torturas e assassinatos políticos contra seus

Devanir José de Carvalho: homenagem a um operário militante

No dia de hoje, 5 de abril, quero prestar uma homenagem a um operário, torneiro mecânico, trabalhador da Vilares, que deu sua vida pela classe trabalhadora e nunca traiu sua classe ou decepcionou seus filhos, sua companheira e seus companheiros. É um exemplo a ser seguido. No dia 5 de abril de 1971, caiu meu Comandante Henrique, Devanir José de Carvalho, que foi levado ao DOPS (Departamento de Ordem Política e Social) para ser barbaramente torturado pela equipe do Esquadrão da Morte, do delegado Sérgio Fleury, militares do DOI-CODI e pelo Cônsul dos EUA, em São Paulo, Claris Howley Halliwell. Comandante Henrique não forneceu aos torturadores nem mesmo seu nome. “Quando chegou aqui, Henrique deu uma cusparada na cara do Doutor Fleury. Não falou nem mesmo o nome dele”, me contou o torturador Carlinhos Metralha para me amedrontar sobre o que me esperava lá naquele lugar de torturas e extermínio. Quando Henrique caiu, eu ainda estava solto e atuando no grupo de ação do MRT – Movimento Revolucionário Tiradentes. Para salvar Henrique das terríveis torturas, organizamos às pressas a captura do presidente da FIESP, Teobaldo de Nigris, que financiava e presenciava sessões de torturas junto com Henning Boilesen. Seria uma troca um por um. A vida do presidente da FIESP, entidade patrocinadora das torturas e da perseguição aos operários de São Paulo, pela vida do Comandante de quase todas as ações contra a ditadura em São Paulo. Não deu tempo. As torturas se prolongaram por quase 3 dias seguidos e no dia 7 de abril, por volta das 19 horas, Fleury, o capitão Ênio Pimentel Silveira, capitão Dalmo Lúcio Muniz Cirilo, o major Carlos Alberto Brilhante Ustra e o cônsul dos EUA em São Paulo, Claris Howley Halliwell, entre outros, executaram Devanir José de Carvalho sem que ele tivesse fornecido seu nome. Quando estávamos na porta da casa de Nigris, recebemos a informação de dentro do DOPS de que Fleury e cambada haviam assassinado Devanir “para não fazer dele um segundo Bacuri”. Essa mesma frase ouvi do torturador Carlinhos Metralha, numa referência ao Comandante Bacuri, Eduardo Collen Leite, torturado por longos 109 dias e assassinado dentro da Fortaleza dos Andradas, do Exército, na Baixada Santista. Os militares de hoje, que mantém o genocida delinquente presidencial, querem manter a impunidade para seus colegas de farda, que torturaram Devanir e tantos brasileiros e brasileiras, que lutavam contra a outra ditadura, instalada sob o patrocínio, orientação e manutenção de uma potência estrangeira, os EUA, do senhor Claris Howley Halliwell. Os mesmos militares que assassinaram Eduardo Collen Leite, o Comandante Bacuri, dentro da fortaleza do Exército, na Baixada Santista. Os nomes de Devanir José de Carvalho, Comandante Henrique, operário e gênio militar, de Eduardo Collen Leite, Comandante Bacuri, e tantos outros e outras militantes da luta contra a ditadura e pela libertação da Classe Trabalhadora da exploração capitalista, sempre serão lembrados pelo nosso povo. Já essa rastaquera que assaltou o país não. DEVANIR JOSÉ DE CARVALHO, PRESENTE! ABAIXO A DITADURA, DO PASSADO E DO PRESENTE! Por Ivan Seixas, jornalista, ex-preso político, guerrilheiro e militante do Movimento Revolucionário Tiradentes – MRT.

Motim contra a Fome e o Desemprego de 1983: uma rebelião contra a carestia e exemplo de ação direta

Em 4 de abril de 1983, diante da grave crise econômica, desemprego e demissões em massa, carestia de vida, inflação galopante e a situação de miséria da classe trabalhadora brasileira que marcaram o período do fim da ditadura empresarial-militar fascista, estourava na zona sul de São Paulo, em Santo Amaro, o movimento que ficou conhecido como Motim Contra a Fome e o Desemprego. A rebelião que arrancou importantes conquistas foi marcada pela ação direta popular e mobilização de base a partir do Comitê de Luta contra o Desemprego e do Movimento contra a Carestia, com saques e manifestações combativas se alastrando também para o Rio de Janeiro e Minas Gerais entre os dias 4 e 8 de abril de 1983. Com saques de lojas e supermercados, em São Paulo a manifestação seguiu em direção ao Palácio dos Bandeirantes que foi atacado, com a exigência que o movimento fosse recebido pelo então governador Franco Montoro. Cerca de 100 manifestantes foram feridos e 70 presos pela PM, com mais de 400 lutadores sendo enquadrados na famigerada Lei de Segurança Nacional (LSN). O Movimento Contra o Desemprego e a Carestia arrancou do Estado a criação de 40 mil vagas de empregos em frentes de trabalho. O general fascista e então presidente da ditadura João Baptista Figueiredo foi a TV aberta acusar o movimento de atrapalhar o “processo de abertura”, uma transição pactada entre militares e a oposição burguesa para proteger os assassinos e torturadores do regime e seus patrocinadores, o empresariado e agentes do imperialismo. Os governadores de São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro também vieram  à público pedir o fim da violência e calma ao povo faminto.                  Com a inflação oficial de 35% no início do ano e alimentos essenciais da cesta básica subindo até 400%, demissões em massa, cortes de investimentos públicos, situação de pobreza e miséria generalizada, a crise de 1983 tem muitos paralelos com a nossa conjuntura, assim como, os governos autoritários de Figueiredo e Bolsonaro. Elementos que hoje, agravam-se ainda mais com a Covid-19, a guerra biológica contra o povo pobre e trabalhador e a gestão desastrosa e genocida do atual governo. A disposição heroica, e em parte desesperada, do povo em luta pela sua sobrevivência é um exemplo para os dias atuais. A mobilização de massas, organização de base e os métodos insurgentes do Comitê de Luta contra o Desemprego e do Movimento contra a Carestia, assim como, a unidade de ação de diversas organizações da esquerda combativa, devem servir de guias para nossa ação nos dias de hoje, construindo comitês de base para agitação e propaganda de massas, mobilização direta e unidade de ação para avançar até a Greve Geral e a rebelião de massas, necessárias para derrotar o governo genocida Bolsonaro/Mourão, defender a vida e conquistar uma vida digna para nosso povo.         VIVA O MOTIM CONTRA A FOME E O DESEMPREGO! RETOMAR A LUTA COLETIVA, RADICAL E COMBATIVA CONTRA GOVERNOS E PATRÕES! AÇÃO DIRETA CONTRA A AGENDA NEOLIBERAL E O GOVERNO BOLSONARO/MOURÃO!   

Lutar contra o Estado policial e o terror institucional que permanecem

Em 1º de abril de 1964, generais mercenários com apoio direto do imperialismo norte-americano, da elite reacionária católica, de políticos fascistas, de grande parte da burguesia brasileira, da mídia corporativa e de setores da classe média consumavam o Golpe de Estado que institucionalizou o terror no país. Derrubado o governo de João Goulart que tentava avançar em reformas estruturais de base, sem qualquer tipo de resistência por parte do trabalhismo e da direção covarde do Partido Comunista Brasileiro (PCB), que confiavam em parte dos militares e na aliança com setores da burguesia, a brutal repressão se iniciou com assassinatos de militares que se recusaram a participar e colaborar com o golpe e se estendeu contra todos que ousaram lutar contra o novo regime de terror institucionalizado. Mas a repressão não ficou sem reposta e as lutas combativas do povo avançaram. A partir de 1968, diversas greves operárias insurgentes, grandiosas manifestações estudantis e ações heroicas das organizações armadas revolucionárias desmoralizaram e desesperaram o regime dos carrascos militares. Com a decretação do Ato Institucional Nº 5 (AI-5), em dezembro de 1968, a ditadura acabou até mesmo a oposição consentida e estendeu a repressão também contra artistas, personalidades públicas e a classe média.   Em mais de duas décadas de regime de terror a ditadura militar-empresarial corrupta e obscurantista assassinou, torturou, estuprou e sequestrou centenas e centenas de combatentes do povo, crianças, familiares de guerrilheiros também foram vítimas, mas não somente. A violência institucional e os crimes contra a humanidade foram generalizados. Enquanto fazia propaganda do seu “milagre econômico”, o regime aprofundou e produziu uma desigualdade social brutal, com carestia de vida e arrocho salarial, a dívida externa brasileira aumentou 30 vezes e os serviços públicos foram destruídos. A ditadura matou milhares de camponeses e criou diversos campos de concentração para pobres, negros, indígenas e “desajustados”, com assassinatos em massa, como no Holocausto de Barbacena, e bombardeio de povos indígenas com napalm. O regime de terror dos generais fascistas no Brasil assassinou dezenas de milhares de pessoas, muito além dos assassinatos políticos de cerca de 500 militantes e figuras públicas, que constam nos registros oficiais. No fim dos anos 1970 um novo ascenso da luta de massas com importantes greves operárias desafiaram a ditadura e os patrões, mesmo com sindicatos dominados, além de radicalizadas lutas contra a carestia de vida e o desemprego com métodos insurgentes e a fundamental participação das mulheres das periferias desgastaram o regime em crise. No início dos 1980, sob uma grande crise econômica e fortes protestos populares, o país inicia a transição negociada entre os militares e a oposição burguesa, que garantiu a impunidade para os carrascos da ditadura e seus patrocinadores e manteve a estrutura de um Estado policial sobre os pobres e a maioria negra, produzindo essa democracia dos massacres, com governos de turno e gerencias neoliberais da “direita civilizada” e da “esquerda traidora” que seguiram usando instrumentos como a Lei de Segurança Nacional, a GLO, o encarceramento em massa e a brutalidade policial, abrindo o caminho para agora sermos governados novamente por militares mercenários e genocidas, milicianos, corruptos e apologistas da ditadura.                            Nesses 57 anos do Golpe de Estado de 1º de abril, que instituiu o terror, criou e deu forma ao  Estado policial e ao fascismo institucional que permanecem nos dias de hoje, é necessário lembrar dos nossos heróis e mártires, assim como, combater o mito de que a ditadura foi enfrentada principalmente por setores progressistas da classe média e artistas, pois quem dirigiu a luta revolucionária e armada contra o regime foram os melhores filhos e filhas do povo pobre e trabalhador brasileiro, operários, camponeses e estudantes que dedicaram suas vidas à causa do povo, entres eles, Carlos Marighella, Joaquim Câmara Ferreira, Virgílio Gomes da Silva, Clemente, Iuri Xavier Pereira, Luiz José da Cunha, Osvaldão, Helenira Preta, Devanir José de Carvalho, Mário Alves, Ângelo Arroyo, Pedro Pomar, Emmanuel Bezerra, Manuel Lisboa, Manoel Aleixo, Carlos Lamarca, Zequinha Barreto, Iara Iavelberg, Luís Antônio Santa Barbara e centenas de outros militantes revolucionários que integraram organizações como a ALN, VPR, AP-ML, MR-8, MRT, PCBR, COLINA, VAR-Palmares, PCdoB/FOGUERA, Ala Vermelha e outras.     Saudamos também nesse mês de abril, a memória histórica dos 50 anos da ação de justiçamento do sádico empresário Albert Boilesen, que financiava e acompanha sessões de torturas e assassinatos de militantes, por um comando da Ação Libertadora Nacional e do Movimento Revolucionário Tiradentes, em 15 de abril de 1971. É necessário retomar o caminho da luta revolucionária e radical contra a ditadura que permanece, o Estado policial genocida e a falsa democracia dos riscos. A luta é mesma porque a ditadura é mesma, como afirmava nosso querido Carlos Eugênio da Paz, o Comandante Clemente, da ALN. JUSTIÇA POPULAR PARA OS CARRASCOS DA DITADURA E CAPITALISTAS! ABAIXO O ESTADO POLICIAL E A DEMOCRACIA GENOCIDA! TODO PODER AO POVO!   VIVA OS 50 ANOS DO JUSTIÇAMENTO DE BOILESEN! Comitê de Solidariedade Popular – Feira de Santana – Casa da Resistência – FOB – Coletivo Carranca – RECC – FOB-BA

Isis Dias: estudante do povo e revolucionária

Isis Dias de Oliveira foi uma militante da Ação Libertadora Nacional (ALN), estudante do povo e guerrilheira urbana que enfrentou a ditadura militar-empresarial no Brasil. Cursou Ciências Sociais na FFLCH da Universidade de São Paulo (USP), foi moradora do CRUSP e educadora popular. Sequestrada, torturada e assassinada brutalmente pela repressão em 1972. Isis recebeu treinamento em Cuba e se transferiu para o Rio de Janeiro, onde participou de ações de propaganda armada e expropriações de bancos, além de editar o jornal Ação, da ALN da Guanabara. Sequestrada no dia 30 de janeiro de 1972 junto com o militante Paulo César Massa, quando o DOI/CODI estourou um aparelho da ALN carioca, teve seu assassinato confirmado algum tempo depois por sua família, assim como Paulo César e outros dez militantes desaparecidos. Isis Dias, assim como outros estudantes do povo, fez parte da geração combativa e revolucionária de estudantes que confluíram para a luta armada contra a ditadura e o imperialismo, integrando a ALN e outras organizações revolucionárias. Abaixo reproduzimos um documento inédito, o manifesto da Frente Estudantil pela Luta Armada – FELA convocando os estudantes para ações de apoio e integração a luta revolucionária para derrubar a ditadura militar-empresarial. A FELA atuou entre 1969 e 1970 como uma frente estudantil da ALN, até ser desmantelada pela repressão e ter a maioria de seus militantes presos. COMPANHEIROS O processo revolucionário está instalado no Brasil. O papel que cabe a nós estudantes é dar todo apoio aos revolucionários. As ações revolucionárias desenvolvidas pelos guerrilheiros urbano e rurais precisam continuar em todas as frentes. A universidade é um campo de lutas dos estudantes, é uma das frentes de luta dos estudantes. A luta dos estudantes dentro da Universidade – em suas ações revolucionárias será a continuidade das lutas dos guerrilheiros – a vanguarda do processo revolucionário brasileiro. O nosso inimigo é comum, a burguesia (com sua ditadura militarista) e os imperialistas norte-americanos. A burguesia através de sua ditadura militar está tentando manipular a universidade para seus interesses. As reformas que ele tenta desenvolver na universidade através de órgãos reacionários como o Conselho Universitário, Reitoria, Conselhos Estadual e Federal de Educação, etc. tem como objetivo efetivar seus interesses monopolistas. A burguesia através de sua ditadura militar quando abalada e impedida na sua política utiliza-se da repressão e da propaganda mesquinha para impor seus princípios: é assim que assistimos impassíveis a invasão do CRUSP; a invasão e prisão de vários colegas e professores nas escolas; a cassação dos nossos professores; a imposição de cursos e conferências reacionárias ministradas por militares aos colegas de Odontologia, Medicina, Farmácia, Bioquímica, etc. Mas não será a ditadura militar, e nem os lacaios imperialistas que irão impedir o desenvolvimento da nossa revolução: ela é irreversível. Chegou agora a vez dos estudantes. Contra a força, usaremos a força e a sagacidade. Agora é o brado de alerta: olho por olho dente por dente. Aqueles que não são por nós são contra nós – e que não tentem impedir nossa passagem, pois, serão massacrados. As ações revolucionárias desenvolvidas no Campus da CUASO são gritos de alerta contra a burguesia espoliadora. Isso é só o começo. Muitas outras ações virão, pois nós representamos os interesses dos estudantes. Devemos apoiar os guerrilheiros urbanos e rurais, pois em nós estudantes está a continuidade da luta nas cidades, atacando e rasgando as poltronas dos cinemas que expõem cartazes dos companheiros revolucionários; ameaçar com telefonemas anônimos os postos de gasolina e entidades públicas e privadas que representam os interesses da burguesia e dos imperialistas americanos; fazer propaganda de todas as formas possíveis da guerra revolucionária; dar caça sem trégua aos dedo-duros que infestam a Universidade; lutar em todas as classes, laboratórios, escolas, teatros, etc. contra as imposições da ditadura; discutir incessantemente as ações revolucionárias; e quer em grupos, quer isoladamente, colaborar com essas ações revolucionárias, etc. Isto é o mínimo que nós estudantes poderemos fazer para a Revolução. TODO APOIO AOS REVOLUCIONÁRIOS!LUTA SEM TRÉGUA CONTRA A BURGUESIA NA UNIVERSIDADE!CAÇA E MORTE AOS DEDO-DUROS! Frente Estudantil pela Luta Armada – FELAOutubro de 1969, São Paulo – SP. Veja o documento original publicado pela FELA.

Autogoverno popular e federalismo: 150 anos da Comuna de Paris

Há 150 anos a capital francesa, Paris, era tomada pela insurreição de trabalhadores e trabalhadoras que deu início a experiência revolucionária de autogoverno popular e federalismo da Comuna de Paris, se espalhando também para cidades como Lion, Marselha e Tolouse. Vive la Commune! Foi o grito que estourou em 18 de março de 1871 frente a capitulação da burguesia republicana e a invasão estrangeira no contexto da Guerra Franco-Prussiana. A guarda nacional composta por trabalhadores com o apoio do movimento socialista, uma importante presença da Associação Internacional dos Trabalhadores (AIT) e influências das ideias federalistas de Pierre Joseph Proudhon, toma o poder sobre a cidade de Paris. O primeiro decreto da Comuna foi a supressão do exército e sua substituição pelo povo em armas. Na descrição de Marx, “a Comuna era composta de conselheiros municipais eleitos por sufrágio universal nos diversos distritos da cidade. Eram responsáveis e substituíveis a qualquer momento. A Comuna devia ser, não um órgão parlamentar, mas uma corporação de trabalho, executiva e legislativa ao mesmo tempo. Em vez de continuar sendo um instrumento do governo central, a polícia foi imediatamente despojada de suas atribuições políticas e convertida num instrumento da Comuna, responsável perante ela e demissível a qualquer momento. O mesmo foi feito em relação aos funcionários dos demais ramos da administração. A partir dos membros da Comuna, todos que desempenhavam cargos públicos deviam receber salários de operários. [….] Como é lógico, a Comuna de Paris havia de servir de modelo a todos os grandes centros industriais da França. Uma vez estabelecido em Paris e nos centros secundários o regime comunal, o antigo governo centralizado teria que ceder lugar também nas províncias ao autogoverno dos produtores. No breve esboço de organização nacional que a Comuna não teve tempo de desenvolver, diz-se claramente que a Comuna devia ser a forma política inclusive das menores aldeias do país e que nos distritos rurais o exército permanente devia ser substituído por uma milícia popular, com um tempo de serviço extraordinariamente curto. As comunas rurais de cada distrito administrariam seus assuntos coletivos por meio de uma assembleia de delegados na capital do distrito correspondente a essas assembleias, por sua vez, enviariam deputados à delegação nacional em Paris […].” (Karl Marx, em “A Guerra Civil na França”). A Comuna de Paris terá fim após 72 dias com o massacre dos comunards na Semana Sangrenta que termina em 28 de maio de 1871. A experiência revolucionária de autogestão dos trabalhadores passa a ser um dos pilares para a construção dos modelos políticos e debates entre as correntes socialistas até os dias atuais. Louise Michel, anarquista francesa e símbolo da Comuna, que teve a fundamental participação das organizações de mulheres do povo, proclamava: “Não podem matar as ideias a tiros de canhão nem tão pouco algemá-las. O fim apressa-se tanto mais quanto o verdadeiro ideal surge, belo e poderoso, superior a todas as ficções que o precederam.” Mikhail Bakunin, um dos fundadores do sindicalismo revolucionário e dirigente da ala federalista da AIT, que teve decisiva participação na Comuna de Lyon e outros levantes populares na França entre 1870 e 1871, em seu texto “A Comuna de Paris e a noção de Estado”, de junho de 1871, afirmava que: “O socialismo revolucionário acaba de tentar uma primeira manifestação brilhante e prática na Comuna de Paris. Sou um partidário da Comuna de Paris, que, por ter sido esmagada, sufocada em sangue pelos verdugos da reação monárquica e clerical, não por isso deixou de se fazer mais vivaz, mais poderosa na imaginação e no coração do proletariado da Europa; sou seu partidário em grande parte porque foi uma negação audaz, bem pronunciada, do Estado. É um fato histórico imenso que essa negação do Estado tenha se manifestado justamente na França, que foi até agora o país por excelência da centralização política, e que seja precisamente Paris, a cabeça e o criador histórico dessa grande civilização francesa, que tenha tomado essa iniciativa. Paris, que abdica de sua coroa e proclama com entusiasmo sua própria decadência para dar a liberdade e a vida à França, à Europa, ao mundo inteiro; Paris, que afirma de novo sua potência histórica de iniciativa ao mostrar a todos os povos escravos (e quais são as massas populares que não são escravas?) o único caminho de emancipação e de salvação; Paris, que dá um golpe mortal nas tradições políticas do radicalismo burguês e uma base real ao socialismo revolucionário; Paris, que merece de novo as maldições de toda gente reacionária da França e da Europa; Paris, que se envolve em suas ruínas para desmentir solenemente a reação triunfante; que salva com seu desastre a honra e o porvir da França e demonstra à humanidade consolada que se a vida, a inteligência e a força moral retiraram-se das classes superiores, conservaram-se enérgicas e cheias de porvir no proletariado; Paris, que inaugura a nova era, aquela da emancipação definitiva e completa das massas populares e de sua solidariedade de agora em diante completamente real, através e apesar das fronteiras dos Estados; Paris, que mata o patriotismo e funda sobre suas ruínas a religião da humanidade; Paris, que se proclama humanitária e ateia e substitui as ficções divinas pelas grandes realidades da vida social e a fé na ciência; as mentiras e as iniquidades da moral religiosa, política e jurídica pelos princípios da liberdade, da justiça, da igualdade e da fraternidade, estes fundamentos eternos de toda moral humana; Paris heroica, racional e crente, que confirma sua fé enérgica nos destinos da humanidade por sua queda gloriosa, por sua morte, e que a transmite muito mais enérgica e viva às gerações vindouras; Paris, inundada no sangue de seus filhos mais generosos, é a humanidade crucificada pela reação internacional coligada da Europa, sob a inspiração imediata de todas as igrejas cristãs e do grande sacerdote da iniquidade, o Papa; mas a próxima revolução internacional e solidária dos povos será a ressurreição de Paris.” A Universidade Popular Mikhail Bakunin realizará o curso online “150 anos da Comuna: Autonomia

Memória e justiça: 7 anos do assassinato brutal de Cláudia Ferreira

Cláudia Silva Ferreira, conhecida como Cacau, era mãe de quatro filhos e cuidava de outros quatro sobrinhos. Foi assassinada pela Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro quando caminhava para comprar comida para seus filhos na manhã do dia 16 de março de 2014. Morta pela PMERJ durante uma operação no Morro da Congonha, zona norte do Rio de Janeiro, Cláudia Silva Ferreira teve seu corpo colocado dentro da mala da viatura pelos PMs, que alegavam prestar socorro, e durante o trajeto o porta-malas do carro abriu, o corpo de Claudia caiu na pista e ficou preso por um pedaço de roupa, resultando nas imagens brutais do seu corpo sendo arrastado por 350m na estrada Intendente Magalhães. A trabalhadora negra, que era auxiliar de serviços gerais em um hospital, foi assassinada aos 28 anos. Até hoje os policiais que mataram Cacau seguem impunes, todos os envolvidos seguem trabalhando normalmente na PMERJ, sem receber qualquer tipo punição criminal ou administrativa. Durante esses 7 anos de processo, apenas uma audiência sobre o caso foi realizada. Respondem pela morte de Claudia, o capitão Rodrigo Medeiros Boaventura e os policiais Zaqueu de Jesus Pereira Bueno, Adir Serrano, Rodney Archanjo, Alex Sandro da Silva e Gustavo Ribeiro Meirelles. A LUTA DO POVO VINGARÁ SUA MORTE! CLÁUDIA FERREIRA, PRESENTE!ABAIXO O GENOCÍDIO DO POVO NEGRO NAS FAVELAS E PERIFERIAS! 

Alexandra Kollontai: revolucionária e socialista

Em 9 de março de 1952, aos 79 anos, falecia a revolucionária socialista e Comissária do Povo durante a Revolução Russa de 1917, Alexandra Kollontai. Presa como “perigosa bolchevique” antes da revolução de outubro, Kollontai tinha uma grande capacidade de oratória e mobilização. Sob sua coordenação todas as leis que discriminavam a mulher na Rússia foram abolidas e o divórcio instituído. O aborto, embora não fosse incentivado, passou a ser livremente feito em hospitais e maternidades públicas. Instituiu também um sistema de bem-estar materno e infantil e o Comissariado do Povo foi também responsável por tratar das questões e das tarefas relacionadas com a libertação das mulheres na Rússia socialista. Abaixo, um fragmento do seu texto “Os Fundamentos Sociais da Questão Feminina”, de 1907: Em primeiro lugar, devemos perguntar se um movimento unitário apenas de mulheres é possível em uma sociedade baseada em antagonismos de classe. O fato de que as mulheres que participam no movimento de libertação não representam uma massa homogênea é óbvio para qualquer observador imparcial. O mundo das mulheres é dividido – como é a dos homens – em dois campos. Os interesses e as aspirações de um grupo de mulheres se aproximam à classe burguesa, enquanto o outro grupo tem ligações estreitas com o proletariado, e suas demandas para a libertação cobre uma solução completa para a questão das mulheres. Assim, embora ambos os lados sigam o tema geral de “liberação das mulheres”, os seus objetivos e interesses são diferentes. Cada um dos grupos parte inconscientemente dos interesses sua própria classe, o que dá um colorido específico de classe para os objetivos e tarefas definidas para si. Apesar das exigências aparentemente radicais feministas, não se deve perder de vista o fato de que as feministas não podem, devido à sua posição de classe, lutar pela transformação fundamental da estrutura econômica e social contemporânea, sem a qual a libertação das mulheres não pode ser concluída. Se em determinadas circunstâncias, as tarefas de curto prazo coincidem com os objetivos finais das mulheres das diferentes classes, no longo prazo, determinam a direção do movimento e as estratégias a serem seguidas são muito diferentes. Enquanto para as feministas alcançar a igualdade de direitos com os homens sob o atual mundo capitalista representa o suficiente, por si só, os direitos iguais no tempo presente para as mulheres proletárias, é apenas um meio para progressos na luta contra a escravidão econômica da classe trabalhadora. Feministas veem os homens como o inimigo principal, os homens que tomaram injustamente todos os direitos e privilégios para si, deixando as mulheres apenas cadeias e obrigações. Para elas, a vitória é ganha quando um privilégio desfrutado anteriormente exclusivamente pelo masculino é dado ao “sexo frágil”. Já as mulheres trabalhadoras têm uma visão diferente. Elas não veem os homens como o inimigo e opressor, no entanto, elas pensam nos homens como seus pares, que partilham com elas a monotonia da rotina diária e lutam com elas por um futuro melhor. A mulher e seu companheiro do sexo masculino são escravizados pelas mesmas condições sociais, pelas mesmas odiosas cadeias do capitalismo que oprimem as suas vontades e os privam das alegrias e encantos da vida. É certo que há vários aspectos específicos do sistema contemporâneo que são um duplo fardo sobre as mulheres, como também é verdade que as condições de trabalho dos salários às vezes convertem as mulheres trabalhadoras em competidoras e rivais dos homens. Mas nestas condições desfavoráveis, a classe trabalhadora sabe quem é o culpado. As mulheres trabalhadoras, não menos do que o seu irmão na adversidade, odeiam este insaciável monstro de face dourada em que a única preocupação é extrair toda a seiva de suas vítimas e que crescem à custa de milhões de vidas e se arremete com igual ganância sobre os homens, as mulheres e crianças. São milhares de tópicos para abordar sobre a classe trabalhadora. As aspirações da mulher burguesa, por outro lado, parecem estranhas e incompreensíveis. Antipático para o coração do proletariado, não prometem à proletária esse futuro brilhante para o qual viram-se os olhos de toda a humanidade explorada. O objetivo final das proletárias não impede, é claro, o desejo que têm de melhorar a sua situação no âmbito do sistema burguês existente. Mas a realização desses desejos é constantemente prejudicada por obstáculos decorrentes da própria natureza do capitalismo. Uma mulher pode ter direitos iguais e ser verdadeiramente livre apenas em um mundo onde o trabalho é socializado, harmônico e justo. As feministas não estão dispostas a entender isso e são incapazes de fazê-lo. Elas sentem que quando a igualdade é formalmente aceita pela letra da lei será capaz de conseguir um lugar confortável para elas no velho mundo de opressão, escravidão, servidão, lágrimas e dificuldades. E isso é verdade até certo ponto. Para a maioria das mulheres do proletariado, direitos iguais aos dos homens significa apenas uma parte igual da desigualdade, mas para as “poucas escolhidas”, para as mulheres burguesas, de fato, abre uma porta para novos direitos e privilégios que até agora só foram apreciados por homens de classe burguesa. Mas a cada nova concessão que a mulher burguesa consegue terá outra arma para explorar a mulher proletária e continuar a aumentar a divisão entre as mulheres dos dois campos sociais opostos. Os seus interesses se veriam mais claramente em conflito, as suas aspirações mais evidentemente em contradição.

Homenagem ao revolucionário Felipe Quispe, El Mallku

Nessa quinta-feira, dia 21 de janeiro, foi sepultado com grandes manifestações de apreço e comoção popular, umas das figuras mais extraordinárias mas também menos conhecidas da história recente da América Latina. Felipe Quispe Huanca, “El Mallku”, foi o mais emblemático dirigente indígena do país e morreu na terça-feira (19/01) aos 78 anos na enorme periferia de El Alto, bastião da luta indígena e popular na Bolívia. El Mallku, como ficou conhecido, é o termo aymara que significa “O Condor”, um título dado às lideranças máximas reconhecidas pelo povo no altiplano boliviano. Quispe, indígena aymara, nasceu numa pequena cidade próxima a La Paz e logo se envolveu nas lutas do país. Foi fundador em 1978 do Movimiento Indígena Túpac Katari, no qual se formaram vários combatentes do Ejército Guerrillero Túpac Katari (criado em 1986), e do qual fez parte inclusive o ex-vice-presidente de Evo Morales, Álvaro García Linera. Quispe teve que se exilar depois do violento golpe de Estado do general narcotraficante García Meza em 1980, e passou por diversos países latino-americanos, tendo atuado inclusive nas guerrilhas da Frente Farabundo Martí em El Salvador e do Ejército Guerrillero de los Pobres na Guatemala. De volta à Bolívia em 1983, passou a defender abertamente a luta armada como caminho de luta para os indígenas, camponeses e trabalhadores, ao mesmo tempo que atuava nas grandes organizações sindicais do país, como a Confederación Sindical Única de Trabajadores Campesinos de Bolivia (CSUTCB), a principal organização dos povos indígenas bolivianos na época. Foi preso em 1988 e depois em 1992, e mesmo na prisão formou-se historiador pela Universidad Mayor de San Andrés. Ao ser libertado em 1998, foi eleito secretário executivo da CSUTCB. Destacou-se nas grandes mobilizações indígenas e populares do final dos anos 1990 e início dos 2000, inclusive nas célebres Guerras da Água e do Gás. Sua figura combativa estava sempre presente nos bloqueios e barricadas. Foi oposição à esquerda a Morales e Linera, mas esteve novamente à frente nos protestos de rua contra o golpe de Estado fascista dos militares e da presidente fantoche Jeanine Áñez em 2019. FELIPE QUISPE “EL MALLKU”, PRESENTE!