Entre 2 e 12 de junho de 1919 as organizações operárias baianas protagonizaram o episódio mais espetacular vivido pela a classe trabalhadora na Bahia durante o período da Primeira República. A grande Greve Geral da Bahia de 1919, que havia sido precedida de intensas mobilizações combativas contra a carestia da vida que deixaram operários feridos e mortos pela repressão em agosto de 1917, foi coordenada pelo Comitê Central de Greve e paralisou os serviços, a produção e a circulação de mercadorias da capital até o recôncavo, arrancando dos patrões e do governo diversas conquistas para a classe trabalhadora e a maioria negra na Bahia. Inspirada pela Greve Geral de 1917 e pela Insurreição Operária 1918 no Rio, alguns fatores são chaves para entender a Greve Geral de 1919 na Bahia. A crise econômica derivada da Primeira Guerra Mundial, a crise política proveniente das lutas interoligárquicas baianas por conta das eleições estaduais e federais de 1919, o grande ascenso do movimento operário neste período e suas disputas internas, e principalmente a disposição revolucionária e combativa de pedreiros, padeiros, carpinteiros, empregados dos bondes, tecelãs e diversas outras categorias, foram elementos determinantes para as conquistas obtidas pela Greve Geral, ainda que temporárias, como as oito horas de trabalho, liberdade de organização sindical, fim do trabalho infantil e igualdade salarial para homens e mulheres, em diversas categorias. O processo da Greve Geral de 1919 e suas conseqüências representaram no contexto baiano um considerável avanço na organização e na consciência de classe, em um movimento operário dividido entre o sindicalismo reformista, que possuía certa força no estado, e o nascente sindicalismo revolucionário baiano, pautado pela ação direta e pela solidariedade proletária. Documentos históricos, relatos e pesquisas podem ser vistos em A Greve Geral de 1919 na Bahia. Reproduzimos a seguir um trecho da pesquisa feita pelo historiador Aldrin Castellucci, autor de “Salvador dos Operários: Uma historia da greve geral de 1919 na Bahia”: No final de maio de 1919, após uma série de paralisações setoriais ocorridas desde o início do ano, com destaque para a greve nacional dos marítimos, o Sindicato dos Pedreiros, Carpinteiros e Demais Classes desenvolveu uma intensa propaganda na imprensa local, convocando todos os trabalhadores, sem distinção de ofício ou categoria profissional, para que assistissem, em sua sede social, a uma conferência de propaganda sindical a ser proferida no final da tarde de domingo, 1º de junho de 1919. Em seu apelo, dizia que “o mundo trabalhador já não pode suportar a opressão dos sugadores e detentores do bem-estar da humanidade” e convocava a classe operária a “conhecer o caminho por onde vos haveis de libertar das misérias que vos traz o jugo patronal”. O conferencista era nada menos que Agripino Nazareth, um advogado socialista que havia participado de vários movimentos pelo Brasil afora, entre os quais a Insurreição Anarquista de novembro de 1918 no Rio de Janeiro, e que dali em diante exerceu uma indubitável liderança sobre o movimento operário baiano. Ao ser pronunciado e perseguido pelo chefe de polícia carioca, Aurelino Leal, juntamente com dezenas de outros militantes libertários e reformistas, Agripino Nazareth refugiou-se no estado do Espírito Santo e em seguida veio para Salvador, porto em que só teria conseguido entrar usando nome falso. A preocupação de Agripino Nazareth não era infundada, pois já em janeiro de 1919 o chefe de polícia Álvaro Cova oficiara a Gambeta Spínola, inspetor da polícia do porto de Salvador, orientando-o a exercer uma fiscalização mais rígida sobre as embarcações e passageiros que chegassem e impedindo o desembarque de “elementos indesejáveis e perniciosos”. Em sua cruzada contra as chamadas classes perigosas, a autoridade policial fez constar em sua lista os mutilados, incapazes para o trabalho, mendigos, loucos sem acompanhantes, cafetões, ladrões, anarquistas, apaches e passageiros da terceira classe em trânsito, procedentes do Rio da Prata. A conferência de Agripino Nazareth foi uma faísca sobre um combustível de há muito instável que, na segunda-feira, 2 de junho de 1919, explodiu. Nutrida pelo profundo rancor associado às privações acumuladas ao longo dos anos de guerra, favorecida pela nova fase de prosperidade econômica e pela crise interoligárquica e, finalmente, fortalecida em sua organização sindical, a classe operária partiu para a ofensiva. Naquele dia, o Sindicato dos Pedreiros, Carpinteiros e Demais Classes realizou uma assembléia na Praça Rio Branco durante o horário do almoço, momento em que os operários da construção civil assumiram o papel de vanguarda do movimento, paralisando o trabalho nas obras da Biblioteca Pública do Estado, do Palácio do Governo, do Tesouro do Estado e outras construções, portando flâmulas nas quais exigiam “respeito aos seus direitos”, aumento salarial de 20 por cento e adoção da jornada de trabalho de oito horas. Depois, realizaram uma passeata pelas ruas do Centro da cidade até a Ladeira da Barra, dando “vivas ao operariado baiano”. Em seguida, fizeram o percurso oposto, passando pelo Relógio de São Pedro e Praça Castro Alves, finalizando na sede do sindicato, na rua do Maciel de Cima, quando o número de adesões já chegava a mais de mil. Dali em diante, o incêndio rapidamente se alastrou, convertendo-se numa greve geral que paralisou toda a cidade, que à época possuía, segundo dados do Censo Demográfico e Industrial de 1920, 283.422 habitantes, dos quais 45.653 (26.955 homens e 18.698 mulheres), ou seja, 16,1 por cento, eram artesãos e operários de oficinas, manufaturas e fábricas e do setor de extração, 3.212 (1,1%) eram trabalhadores dos transportes marítimos e fluviais e 5.770 (2,0%) eram trabalhadores dos transportes terrestres, perfazendo uma classe trabalhadora de 54.635 pessoas, isto é, 19,2 por cento da população soteropolitana. Este número era, contudo, ainda maior, pois não contabilizava a atividade comercial e financeira, que empregava 15.780 (5,6%), a administração pública, com 3.406 (1,2%), a administração particular, com 1.185 (0,5%) e o sacerdócio e profissões liberais, com 5.932 (2,0%), setores geralmente tipificados como de classe média, mas que tinham muitos dos seus membros vivendo em situações muito semelhantes ou até inferiores às dos trabalhadores manuais. As estatísticas mostram, ainda, que a classe operária soteropolitana era