Lucy Parsons e o 1º de Maio: Eu sou uma Anarquista

Eu sou uma anarquista. Suponho que vocês tenham vindo aqui, a maioria de vocês, para ver como é uma anarquista de verdade ao vivo. Suponho que alguns de vocês esperavam me ver com uma bomba em uma das mãos e uma tocha em chamas na outra, mas estão desapontados por não ver nem uma coisa nem outra. Se tais têm sido suas ideias sobre anarquistas, vocês mereceram estar desapontados. Anarquistas são pessoas pacíficas, cumpridoras da lei. O que anarquistas querem dizer quando falam em anarquia? Webster [1] dá ao termo duas definições: caos e o estado de existir sem norma política. Nós nos atemos à última definição. Nossos inimigos sustentam que acreditamos apenas na primeira. Você se pergunta por que existem anarquistas neste país, nesta grande terra da liberdade, como vocês amam chamá-la? Vá a Nova York. Ande pelas vielas e becos dessa grande cidade. Conte as miríades [2] famintas; conte os ainda mais numerosos milhares que estão sem teto; numere aqueles que trabalham mais duro do que escravos e vivem com menos e têm menos conforto que o escravo mais humilde. Você ficará perplexo com suas descobertas, você que não prestou nenhuma atenção a esses pobres, salvo como objetos de caridade e comiseração. Eles não são objetos de caridade, eles são vítimas da injustiça de classe que permeia o sistema de governo, e da política econômica que domina do Atlântico ao Pacífico. Sua opressão, a miséria que ela causa, a desgraça a qual dá origem, são encontradas em maior extensão em Nova York do que em qualquer outro lugar. Em Nova York, onde não muitos dias atrás dois governos se uniram para desvelar uma estátua da liberdade, onde uma centena de bandas tocou aquele hino de liberdade, ‘A Marselhesa’ [3]. Mas praticamente a mesma situação é encontrada entre os mineiros do Oeste, que vivem na miséria e vestem trapos, para que os capitalistas, que controlam a terra que deveria ser livre para todos, possam adicionar ainda mais aos seus milhões! Ah, existem muitas razões para a existência de anarquistas. Mas em Chicago eles acham que anarquistas não têm qualquer direito de existir, de forma alguma. Querem enforcá-los lá, legalmente ou ilegalmente. Vocês ouviram sobre um certo encontro do Haymarket. Vocês ouviram sobre uma bomba. Vocês ouviram sobre prisões e mais prisões feitas pelos detetives. Aqueles detetives! Há um bando de homens, pior ainda, bestas! Detetives de Pinkerton! Eles fariam qualquer coisa. Tenho certeza que capitalistas queriam que um homem jogasse aquela bomba no encontro do Haymarket para culpar os anarquistas por isso. Pinkerton poderia ter feito isso para ele. Vocês ouviram bastante sobre bombas. Vocês ouviram que os anarquistas disseram muito sobre dinamite. Lhes disseram que Lingg fazia bombas. Ele não violou nenhuma lei. Bombas de dinamite podem matar, podem assassinar, assim como as metralhadoras. Suponham que aquela bomba tenha sido jogada por um anarquista. A constituição diz que existem certos direitos inalienáveis, dentre os quais estão a liberdade de imprensa, de expressão e de reunião. Aos cidadãos desta grande terra é dado pela constituição o direito de repelir a invasão ilegal destes direitos. O encontro na praça do Haymarket foi um encontro pacífico. Suponham que, quando um anarquista viu a polícia chegar em cena, com um olhar assassino, determinada a dissolver aquele encontro, suponha que ele tenha jogado aquela bomba; ele não teria violado nenhuma lei. Esse será o veredicto de seus filhos. Se eu estivesse lá, se tivesse visto aquela abordagem policial assassina, se tivesse ouvido aquele insolente comando para dispersar, se tivesse ouvido Fielden dizer, ‘Capitão, este é um encontro pacífico,’ se tivesse visto as liberdades de meus compatriotas serem esmagadas, eu mesma teria jogado aquela bomba. Eu não teria violado nenhuma lei, apenas cumprido a constituição. Se os anarquistas tivessem planejado destruir a cidade Chicago e massacrar a polícia, por que teriam apenas duas ou três bombas em mãos? Tal não era a intenção. Foi um encontro pacífico. Carter Harrison, o prefeito de Chicago, estava lá. Ele disse que foi um encontro tranqüilo. Ele disse a Bonfield [Capitão John Bonfield, Comandante da Delegacia Policial de Des Plaines] para colocar a polícia a postos. Eu não me posiciono aqui para me regojizar com a morte daqueles policiais. Eu desprezo o assassinato. Mas quando a bala do revólver de um policial mata é tão assassinato quanto a morte que resulta de uma bomba. A polícia partiu pra cima do encontro quando ele estava por dispersar. O Sr. Simonson falou com Bonfield sobre o encontro. Parsons foi ao encontro. Ele levou sua esposa, duas moças e seus dois filhos [4] junto. Perto do fim do encontro, ele disse, ‘Acho que vai chover. Vamos continuar no Zeph’s hall.’ Fielden disse que já estava terminando sua fala e encerraria por ali. As pessoas estavam começando a se dispersar, mil dos mais entusiastas ainda persistiam apesar da chuva. Parsons e aqueles que o acompanhavam tomaram o rumo de casa. Eles haviam chegado até a delegacia de Desplaines quando viram a movimentação repentina da polícia. Parsons parou para ver qual era o problema. Aqueles 200 policiais partiram para pegar os anarquistas. E então nós continuamos nosso caminho. Eu estava no Zeph’s hall quando ouvi aquela terrível detonação. Seu estrondo correu o mundo. Tiranos estremeceram e sentiram que havia algo errado. A descoberta da dinamite e seu uso por anarquistas é uma repetição da história. Quando a pólvora foi descoberta, o sistema feudal estava no auge de seu poder. Sua descoberta e uso criaram as classes médias. Seu primeiro disparo anunciou a sentença de morte do sistema feudal. A bomba em Chicago anunciou a queda do sistema salarial do século dezenove. Por quê? Porque eu sei que nenhum povo inteligente se submeterá ao despotismo. O primeiro significa a difusão de poder. Digo que nenhum homem o use. Mas foi uma conquista da ciência, não do anarquismo, e serviria para as massas. Eu suponho que a imprensa dirá que eu sou uma traidora. Se eu violei qualquer lei, me prendam, me dêem um

GEORGE AMÉRICO E A EPOPEIA SEM-TETO

Como hoje, era um 5 de maio de 1988, Feira de Santana amanhecia com a notícia do assassinato a tiros do seu maior organizador e líder de massas. George Américo é o fundador da cidade que conhecemos, a geração que nasceu quando George deixou de ser o “rei das invasões” e se tornou mártir, a Feira de Santana periférica, de sofrimento, pobreza e resistência, a cidade-encruzilhada, formada por gente que veio de todo canto e foi ocupando terra e se amontoando entre barracos, taboas, guetos e bairros proletários. Nos anos 80, George organizou 21 ocupações rururbanas, locais híbridos entre a cidade excludente de urbanização conservadora e os caminhos rurais. A geração que nasceu quando George morreu é filha da geração que carrega o “bandido” que ocupava terras no coração, com a gratidão merecida ao líder das ocupações que garantiram à muita gente a conquista de um pedaço de terra e um teto, ou como dizem os versos da poesia-monodia da canção de Gilsam: “George Américo guerreiro-menino, George Américo sonho peregrino, teu peito foi feito em paredes, nas ruas da Feira esculpidas, por ti me inflamei e me inflamo, ficou tua marca na flâmula de dores, em foto e mensagem, contra esses horrores que enfrentaste como o sol se pondo”. É uma ironia trágica que hoje, nesses 30 anos do assassinato de George, assistimos a tragédia televisionada dos sem-teto do prédio ocupado no centro de São Paulo sendo utilizada pelos governos de gerentes do capital e pelo jornalismo de rapina que opera como uma agência de propaganda anti-povo para criminalizar os movimentos de luta por moradia. O crime contra George Américo nunca foi resolvido, executado a mando do poder, como foi Marielle, em outro paralelo com a conjuntura. Criminalizado pelo jornalismo da princesa-comercial, George recebeu a alcunha de “rei das invasões” e sempre foi tratado como um bandido pela mídia local, ora acusado de vender lotes, ora de manter relações com o tráfico de drogas, a mesma fórmula de assassinar reputações repetida ainda hoje para matar lutadores do povo. Quem apertou o gatilho contra George foi a grilagem de terras, a especulação imobiliária, com os nomes dos responsáveis sempre sendo sussurrados em voz baixa pelo medo ainda sentido por quem acompanhou a saga de George e sabe da crueldade dos poderosos dessa terra. Retratado como um homem rebelde e solidário, de família pobre e sempre envolvido em causas sociais, começou sua militância no movimento estudantil e fez parte da Casa do Estudante ainda em seus tempos áureos, depois foi funcionário da prefeitura, o que facilitou seu acesso as informações sobre terrenos na cidade e foi exatamente por esse motivo demitido, fundou a Associação dos Sem Teto de Feira de Santana que mantinha uma dinâmica permanente de organização e mobilização de massas e já naquela época questionava o direito à cidade, em uma das remoções feita pela prefeitura George protestava contra a lógica de alocar os ocupantes em locais distantes da cidade como solução, normalmente no “favelão do Aviário”, como se referia na época. Existem poucos e escassos registros das ocupações realizadas pela Associação dos Sem Teto, como a do bairro Santo Antônio dos Prazeres. Perseguido pelo judiciário, George foi preso e levado para Salvador, sendo logo solto. Mas foi em novembro de 1987, no local que hoje é o Conjunto Habitacional que carrega seu nome, o maior feito e o auge da trajetória política e militante de George Américo, cerca de 5 mil pessoas lideradas por ele, um exército de miseráveis e excluídos do “milagre brasileiro”, ocuparam o Campo de Aviação e antes do raiar do sol de um sábado tinham tomado uma grande faixa de terra de quase 800.000m², sendo até hoje a maior ocupação já feita em Feira de Santana, e talvez na Bahia. Era um tempo de ascenso das lutas populares e de trabalhadores, os ânimos iam se acirrando e a cidade vivia uma tensão cada vez maior entre os grupos políticos que disputavam o poder. O povo de Feira prontamente apoiava a luta dos sem-teto, e mesmo a polícia convocada para despejar a ocupação após uma ordem judicial se negou a reprimir os sem-teto. Em dezembro do mesmo ano, George sofreu um atentado e declarou em uma rádio que “mesmo morto a luta dos miseráveis não iria parar”. O guerreiro-menino já tinha se tornado um mito e herói do povo pobre feirense, circulava entre as organizações políticas de esquerda e democráticas, mas mantinha uma conduta politicamente independente. Em 5 de maio de 1988, em um crime encomendado e nunca punido, dois tiros de escopeta no peito tiraram a vida de George, seu corpo foi encontrado no rio Jacuípe, em seu enterro uma multidão tomou o centro da cidade e carregou o corpo do “Santo George”, como algumas pessoas ainda se referem ao líder sem-teto, até o cemitério e seu túmulo é ainda hoje um local de demonstração de gratidão por parte dessa gente pobre que George organizou para lutar por vida e moradia digna. Sua memória, mesmo vilipendiada por alguns, ainda segue viva e deve ser permanentemente disputada e honrada como um mártir, herói e lutador do povo da mesma terra de Lucas da Feira, Maria Quitéria e Luís Antônio Santa Bárbara, da Feira de Santana rebelde. GEORGE AMÉRICO VIVE E LUTA! MEMÓRIA E JUSTIÇA! Feira de Santana, 5 de maio de 2018. Documentário “George Américo, o Rei das Invasões” (Dir. Cristiane Melo, 25min.), narrando a trajetória do militante da antiga Casa do Estudante, que se tornou presidente da Associação dos Sem Teto de Feira de Santana e liderou mais de 20 ocupações por moradia na cidade nos anos 80, sendo a maior delas a do Campo de Aviação (atualmente Conjunto George Américo), apelidado pela imprensa de “Rei da Invasões” e criminalizado pelas elites locais ligadas a especulação imobiliária, George foi assassinado em condições nunca esclarecidas em 5 de maio de 1988, enterrado por uma multidão de trabalhadores pobres, agradecida ao lutador do povo e líder sem-teto que dedicou sua vida à luta por moradia.

O assassinato de Malcolm X e o nascimento dos Panteras Negras

Em 21 de fevereiro de 1965, domingo, Malcolm X se dirigiu para ao Audubon Ballroom, em Manhattan, para um evento promovido pela Organização para a Unidade AfroAmericana (Organization of Afro-American Unity – OAAU), um dos grupos que fundara recentemente, após deixar a Nação do Islã (Nation of Islam – NOI). O rompimento fora hostil: ao descobrir o comportamento hipócrita do líder da NOI, Elijah Muhammad, que mantivera relações adúlteras com várias jovens mulheres da organização, Malcolm o confrontara; isso havia acentuado uma tensão que já se arrastava há tempos, devido ao comportamento cada vez mais independente de Malcolm. Desde que deixara a organização, ele admitira publicamente que vinha recebendo ameaças de morte. Uma semana antes do evento, sua casa fora atingida por bombas, no meio da noite. O evento no Audubon Ballroom estava planejado para começar às duas da tarde, mas só havia cerca de 40 pessoas presentes nesse horário – inclusive um homem identificado como pertencente à NOI, sentado na primeira fila, que ostentava na lapela um pin da organização. Um dos seguranças da OAAU tentou persuadi-lo a ir para o fundo do salão; o homem reclamou e, após retirar o pin, sentou-se no mesmo lugar. Por insistência de Malcolm X, que não quisera incomodar o público, ninguém naquela noite seria revistado, e seus próprios seguranças não deveriam portar armas, à exceção do chefe da equipe. Às duas e meia, o público estava impaciente. O ministro-assistente de Malcolm na Muslim Mosque, Inc. – o outro grupo fundado por ele após deixar a NOI, de orientação religiosa – fez uma fala introdutória; quando já havia mais de duzentas pessoas presentes, perto das 3 horas, Malcolm finalmente subiu ao palco. Ele apenas proferira a saudação islâmica – “Assalamu alaikum” –, prontamente respondida pela plateia, quando houve uma confusão na sexta ou sétima fileira de cadeiras: alguém gritou “Tire suas mãos dos meus bolsos!”, e dois homens começaram a brigar. A equipe de seguranças da OAAU avançou para conter a briga, e o próprio Malcolm, deixado sozinho no palco, tentou restaurar a normalidade, gritando do palco. Nesse momento, o homem da primeira fileira se levantou, caminhou em direção ao palco, pegou uma escopeta de cano serrado escondida sob seu casaco e a descarregou na direção do líder negro. Uma quantidade imensurável de pretos estadunidenses sentiu a morte de Malcolm X como uma perda pessoal. Entre eles, estava um jovem negro que nascera em uma família pobre, no Texas, filho de um carpinteiro e de uma dona de casa, que agora estudava no Merritt College; seu nome era Robert George Seale, alcunhado “Bobby”. Para Bobby Seale, não havia dúvida: Malcolm fora assassinado pela CIA, por ordem do presidente Lyndon Johnson. Embora até hoje não haja provas nesse sentido, sabe-se que tanto a CIA quanto o FBI monitoraram por anos a vida de Malcolm X, estudando estratégias para prendê-lo e alimentando seus conflitos com a NOI; e há relatos segundo os quais Malcolm temia, de fato, que a CIA tentasse matá-lo. Revoltado, Seale reagiu da forma como era possível a um jovem preto em sua situação: saiu pelas ruas, arremessando tijolos em carros dirigidos por homens brancos. Todavia, não tardou a perceber que essa revolta solitária não passava de um gesto emocional, e se recolheu por uma semana, a fim de se recompor. Ao longo desse período, tomou uma decisão: embora também visse Martin Luther King Jr., líder na luta pelos Direitos Civis, como um herói, Seale faria de si mesmo um novo Malcolm X. Com isso em mente – e com uma cópia de Os Condenados da Terra, de Frantz Fanon, em mãos –, procurou um outro jovem negro, também estudante do Merritt College, que considerava articulado e conhecedor da história dos negros, a fim de fundar uma nova organização; seu nome era Huey Percy Newton. Nascido em Monroe, Louisiana, Huey era o mais jovem dos sete filhos de um agricultor ligado à igreja Batista. Aos 3 anos, a família se mudara para Oakland, na Califórnia, onde Newton vivera uma infância conflituosa: fora expulso de diversas escolas públicas – às vezes, de propósito, para ocultar suas próprias dificuldades de aprendizado; segundo David Hilliard, que o conheceu na adolescência, Huey conviveria com o estigma de ser considerado um analfabeto, com QI 79. Quando foi para o Merritt College, Huey finalmente começou a desenvolver confiança intelectual, tornando-se um ávido leitor de obras filosóficas e literárias – de W. E. B. DuBois a James Baldwin; de Frantz Fanon a Søren Kierkegaard. Huey também desenvolveria uma notável capacidade para decorar a localização de passagens em páginas e parágrafos de livros. Bobby Seale encontrara Huey pela primeira vez no início dos anos 1960, em uma das manifestações de rua contra o embargo dos Estados Unidos a Cuba, e ficara impressionado com sua capacidade de argumentar a partir de questões básicas e práticas, não deixando ao interlocutor outra escolha que não encarar os fatos. Nesse primeiro momento, contudo, Newton rejeitou a ideia de fundar uma nova organização; a seu ver, a tarefa seria impossibilitada pelo fato de que os pretos não conheciam suficientemente bem a sua própria história. Não se deixando abalar pela recusa, Bobby Seale decidiu agir por conta própria. Criou um grupo de estudos africanos e afroamericanos no Merritt College, inicialmente denominado Black History Fact Group, depois rebatizado Soul Students Advisory Council, que conseguiu incluir a história dos negros no currículo da instituição. Em 1966, Seale organizou um evento no Merritt College que incluía um protesto contra a Guerra do Vietnã; 700 pessoas compareceram, lotando o auditório. Huey chegou no final do evento e, impressionado com a quantidade de pessoas que Seale conseguira mobilizar, decidiu unir-se ao grupo. Não demorou muito a ressurgir a ideia de fundar uma nova organização. Em setembro de 1966, considerando que chegara o momento de fazê-lo, Bobby Seale e Huey Newton se entregaram a essa tarefa no Centro de Serviços de North Oakland, onde trabalhavam. No escritório de assistência jurídica, Huey encontrou a legislação da Suprema Corte da Califórnia, que determinava

CLEMENTE, PRESENTE! Um revolucionário nunca morre, porque suas ideias permanecem vivas

Faleceu neste sábado (29/06), em Ribeirão Preto (SP), o revolucionário, músico, escritor e ex-guerrilheiro Carlos Eugênio da Paz. Conhecido pelo codinome “Clemente”, Carlos Eugênio foi o último comandante da Ação Libertadora Nacional (ALN), assumindo a tarefa após os assassinatos de Carlos Marighella e Joaquim Câmara Ferreira. Um dos quatro brasileiros condenados ‘in absentia’ pelo regime, foi também um dos poucos integrantes da luta armada que sobreviveu sem nunca ter sido preso ou torturado, exilando-se na Europa em 1973 após o desmantelamento das organizações armadas pelas forças de repressão do governo. Foi um dos últimos brasileiros anistiados, em maio de 1982. Nascido em Maceió (AL), em 23 de julho de 1950, se mudou com a família para o Rio de Janeiro, onde estudou no Colégio Pedro II. Militante da ALN, participou ativamente de inúmeras ações contra a ditadura militar, entre elas o justiçamento do industrial dinamarquês Henning Boilesen, um dos principais financiadores da Operação Bandeirantes (OBAN) e espectador assíduo de sessões de tortura contra dissidentes políticos, praticadas nas dependências do DOI-Codi. Em 1973, Clemente vai para Havana e de lá segue para a União Soviética, Iugoslávia, e depois Paris, de onde retorna para o Brasil em 1981. De volta ao Brasil, Carlos Eugênio trabalhou como professor de Música e escreveu dois livros sobre a resistência à ditadura: Viagem à luta armada (1996) e Nas trilhas da ALN (1997). “Ele se vai como viveu a vida: com coragem”, disse Maria Cláudia, sua companheira, ao informar a amigos e companheiros sobre a partida de Clemente, vítima de falência respiratória, aos 68 anos. Carlos Eugênio deixa o exemplo de coragem e solidariedade aos companheiros de uma vida de lutas. Quando chegou ao Rio de Janeiro com a família vindo de Alagoas, foi estudar no Colégio Andrews, onde seu sotaque nordestino era alvo de deboche, o que levava a brigas diárias do lado de fora da sala de aula. Começou a fazer política em 1966, aos 16 anos e no ano seguinte, estudante do Colégio Pedro II, deixou a escola para ingressar na ALN de Carlos Marighella, por quem foi instruído a servir o Exército no Forte de Copacabana, de maneira a receber treinamento militar, aprender a obedecer para no futuro aprender a comandar e entender o pensamento dos militares de maneira a se tornar um comandante militar da guerrilha armada. Bom soldado e bom atirador, chegou a ser condecorado e homenageado pelo comandante do quartel, medalha que jogou fora num bueiro de Copacabana em 1969, após sua irmã ser torturada pelos militares. Sob o codinome de “Clemente”, uma homenagem ao jogador de futebol Ari Clemente, um ex-lateral esquerdo do Corinthians e do Bangu, integrou o Grupo Tático Armado – GTA, da ALN, participando de dezenas de ações armadas em assaltos a bancos, carros-fortes – o primeiro assalto a um carro da Brink’s no Brasil – enfrentamento com as forças de segurança e panfletagem. Em 1971, levou a cabo uma tentativa de sequestro do Comandante do II Exército, o general Humberto de Souza Melo, que acabou sendo frustrada, depois que os guerrilheiros, que cercaram o general, sua família e seus seguranças na porta de uma igreja na Vila Mariana, foram eles mesmo cercados por agentes do DOI-Codi. Após uma intervenção do general para que não houvesse um morticínio ali, todos acabaram se retirando, cada grupo para seu lado. No campo da política revolucionária, foi um dos principais articuladores da campanha pelo voto nulo, lançada pela ALN para as eleições de 1970, uma vitória da guerrilha. Junto com outros companheiros, executou, dentro do carro em que ocupavam, um capitão do exército descoberto infiltrado na guerrilha. Em Nas Trilhas da ALN, relata o justiçamento com objetividade, e sem tergiversar: “Ele se cala diante do inevitável, apontamos as pistolas e executamos a sentença. Descarregamos as armas no capitão, trocamos os pentes e batemos em retirada. Sete homens jogam as cartas da vez no jogo da sobrevivência e vencem a mão”. Em 23 de março de 1971, o mais polêmico ato da ALN foi cometido por ele junto com sua então companheira e seu grande amor na vida, Ana Maria Nacinovic Correia, e dos também militantes da ALN José Milton Barbosa, Antonio Sérgio de Matos, Paulo de Tarso Celestino e Yuri Xavier Pereira: a execução do companheiro de organização Márcio Leite de Toledo, o “Professor Pardal”, em via pública, na altura do número 45 da Rua Caçapava, em São Paulo, após uma série demonstrações de fraqueza pelo guerrilheiro em ações anteriores. Em caso de deserção ou prisão, Toledo, um militante treinado em Cuba, tinha conhecimento de todos os planos, táticas e identidades dos membros da ALN. Junto ao corpo foi deixado o seguinte comunicado: “A Ação Libertadora Nacional (ALN) executou, dia 23 de março de 1971, Márcio Leite Toledo. Esta execução teve o fim de resguardar a organização. Uma organização revolucionária, em guerra declarada, não pode permitir a quem tenha uma série de informações como as que possuía, vacilações desta espécie, muito menos uma defecção deste grau em suas fileiras… Tolerância e conciliação tiveram funestas conseqüências na revolução brasileira. Ao assumir responsabilidades na organização, cada quadro deve analisar a sua capacidade e o seu preparo. Depois disto não se permitem recuos. A revolução não admitirá recuos!”. Em sua guerra particular contra a ditadura militar, este foi o único ato pelo qual Clemente veio a sentir posteriormente remorso. Menos de um mês depois, o comandante foi responsável pelo tiro de misericórdia que matou o industrial dinamarquês radicado em São Paulo Henning Boilesen, um dos principais financiadores da OBAN e espectador assíduo da tortura de dissidentes políticos dentro das instalações do DOI-Codi. Boilesen foi justiçado pelo GTA da ALN em 15 de abril de 1971, no meio da rua Barão de Capanema, também na capital paulista. A mãe de Carlos Eugênio, Maria da Conceição Coelho Paz, também foi uma integrante da ALN, recrutada pelo filho, depois de fazer um curso de enfermagem em Cuba para cuidar dos feridos da organização. Em 1974, “Joana” (codinome recebido por Maria da Conceição) foi

Sindicalistas de Porto Seguro foram assassinados por quadrilha liderada pelo prefeito Gilberto Abade (PSB)

Em novembro do ano passado, no boletim Estratégia Libertária n° 01, denunciamos os assassinatos dos professores, Álvaro Henrique Santos e Elisney Pereira, ocorridos em setembro de 2009, como um crime do governo corrupto e assassino de Gilberto Abade, do PSB de Porto Seguro, no sul da Bahia. Álvaro Henrique, era presidente da APLB-Porto Seguro e Elisney, secretário do sindicato, ambos estavam envolvidos na greve dos professores da rede municipal de educação de Porto Seguro, que reivindicava melhores salários para os profissionais da educação e denunciava a situação precária das escolas e a corrupção no governo do prefeito Gilberto Abade, quando foram assassinados. Apesar da mobilização de professores e organizações populares de Porto Seguro, as investigações foram lentas e superficiais, mas vieram a confirmar o crime político. O agora exonerado secretário de Governo e Comunicação, Edésio Dantas Lima, homem-forte, braço direito do prefeito Gilberto Abade e também secretário-geral da executiva estadual do PSB baiano, está preso como mandante do crime. Os policiais militares Sandoval Barbosa dos Santos, Geraldo Silva de Almeida e Joilson Rodrigues Barbosa, que participaram do crime, também se encontram detidos. Mais dois policiais militares envolvidos no crime estão foragidos, Antonio Andrade dos Santos Junior e Danilo Costa Leite. O motorista da prefeitura e traficante de drogas, Antônio Marcos Carvalho, vulgo “Pequeno”, também envolvido no crime foi assassinado na prisão, numa queima de arquivo, assim como, o “pistoleiro” Rodrigo Santos Ramos, conhecido como “Terceiro”. A conclusão deste caso, mais um onde lutadores do povo são assassinados covardemente, nos leva a conclusão que o prefeito Gilberto Abade (com o aval e conivência do PSB) é o comandante de uma quadrilha da qual o ex-secretário Edésio Dantas também faz parte, juntamente com PMs, traficantes e pistoleiros, e são os responsáveis diretos por crimes como corrupção, tráfico de drogas e extermínio de pessoas. Ou seja, além do ex-secretário o atual prefeito também é um dos mandantes dos assassinatos dos professores e dirigentes sindicais Álvaro Henrique Santos e Elisney Pereira. Enquanto anarquistas, acreditamos que é uma obrigação de todas as organizações e lutadores/as comprometidos/as com a causa do povo denunciar esse crime. Já sabemos que nenhuma confiança pode ser depositada na justiça burguesa e defendemos que a auto-organização da classe trabalhadora é o único caminho para resistir aos crimes de Estado (ou paraestatais). Devemos responder a todos os ataques através de instrumentos próprios de autodefesa, construídos dentro dos movimentos sociais classistas e combativos, utilizando o princípio da justiça popular. Por Vermelho e Negro, grupo anarquista organizado da Bahia. Março de 2010

Luís Antônio Santa Bárbara, presente!

Em 28 de agosto de 1971 caia o “estudante da guerrilha”. Luís Antônio Santa Bárbara foi assassinado, no Buriti Cristalino, em Brotas de Macaúbas no sertão baiano, dentro da casa de José Barreto, pai dos militantes Zequinha, Otoniel e Olderico. O assassinato aconteceu após um grande cerco montado pelos organismos de repressão da ditadura fascista civil-militar para assassinar o capitão Lamarca e seus companheiros Movimento Revolucionário – 8 de Outubro, o MR-8. O professor Roberto, como era conhecido na região onde o MR-8 pretendia construir um foco de guerrilha rural, iniciou sua militância no movimento estudantil de Feira de Santana, participando da construção dos grêmios estudantis do Colégio Municipal e do Colégio Estadual. Trabalhou como tipógrafo na Gazeta do Povo e em 1967 passou a militar na Dissidência do PCB, em março de 1969 foi preso em frente ao Colégio Estadual e torturado por vários dias no 35° Batalhão de Infantaria (35-BI). Do movimento estudantil Santa Bárbara passou à luta armada, do PCB ao MR-8. Foi o primeiro a ser deslocado pela organização para a região do Buriti Cristalino e assumiu a tarefa de formar uma escola de alfabetização no povoado, onde poucos sabiam ler. Todas as tardes a casa de José Barreto se enchia de gente para ouvir o professor Roberto. A saga de Luis Antônio foi retratada por Ruy Cerqueira, no livro “Santa Barbara – O estudante da guerrilha”, publicado em 2004 de forma independente. A fictícia versão oficial diz que Santa Bárbara suicidou-se. Porém, a arma recolhida com ele era um revólver calibre 32 e as balas que o mataram saíram de um calibre 38. Outra contradição está no próprio documento da Polícia Federal na Bahia que afirma que Otoniel e Santa Bárbara foram “abatidos (…) quando reagiram à bala contra a equipe encarregada de capturá-los”. É mais um caso de assassinato que a repressão apresenta como suicídio. Em 2004 a Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos Políticos, aprovou uma indenização à família baseada na Medida Provisória nº 176, depois transformada em lei, como sendo um caso de “suicídio forçado”. Santa Bárbara foi mais um lutador do povo assassinado pelas mãos ensanguentadas do Estado brasileiro. Um militante exemplar que dedicou sua vida a causa do povo e morreu por ela.

Casa da Resistência: um centro social ocupado a serviço das lutas populares

No dia 28 de abril, militantes do Coletivo Quilombo ocuparam uma casa abandonada, há cerca de 20 anos, no centro da cidade de Feira de Santana. O objetivo geral da ocupação é construir um espaço para a articulação das lutas populares na cidade. Diversos projetos devem funcionar no espaço ocupado, alguns deles já estão sendo iniciados, como o “Círculo de Leitura Luís Antônio Santana Bárbara” um espaço aberto dedicado ao debate, a formação política e a educação popular, a “Biblioteca Social Lucas da Feira” aberta para consultas e empréstimos, a “Oficina de Teatro Solano Trindade” e o “Espaço George Américo” onde já acontecem diversas reuniões e plenárias do Coletivo Quilombo e de outras instâncias. Outros projetos dependem da capitação de recursos e da reforma da casa, como a “Cooperativa de serigrafia, serviços gráficos e comunicação Molotov” e outras atividades como o “Cineclube Cinema contra o Sistema”. Esta campanha de solidariedade tem como objetivo levantar os recursos necessários para a reforma da casa e para tocarmos os projetos que citamos acima. Hoje, dos cinco cômodos da casa apenas um possui condições plenas de uso, outros dependem da instalação elétrica e do conserto do telhado. Além disso, o religamento da água e uma nova pintura das paredes também são urgentes. São coisas que aos poucos vamos iniciando, mas que dependem muito de recursos, hoje muito escassos. Por isso, fazemos um apelo aos companheiros e companheiras comprometidos com as lutas populares e que partilham conosco os mesmos sonhos de libertação, para colaborarem financeiramente e a apoiar a Casa da Resistência. De forma geral acreditamos que este espaço possa servir como uma escola de formação militante e também ajudar na articulação de uma rede das organizações populares combativas, para que possamos num longo prazo construir um projeto de classe a partir das experiências de construção do poder popular, através do protagonismo do povo em luta, da ação direta popular e da auto-organização. Saudações rebeldes e quilombolas! Lutar e criar poder popular! Ocupar o mundo! Por Coletivo Quilombo Agosto de 2009.