English Portuguese Spanish

O internacionalismo deve ser prioridade: o exemplo guevarista para a esquerda revolucionária

Por J. Nascimento, na coluna Debate MUP*

Hoje existem várias iniciativas de articulação internacional mantidas pela esquerda revolucionária e anti-imperialista no mundo, algumas mais orgânicas e outras puramente voluntaristas. Das mais orgânicas podemos citar a Liga Internacional de Luta dos Povos (ILPS) e o Movimento Comunista Internacional como iniciativas de partidos maoístas, algumas das muitas frações trotskistas que reivindicam a continuidade da Quarta Internacional, a Confederação Internacional do Trabalho (CIT/ICL), uma articulação de organizações sindicalistas revolucionárias e anarcossindicalistas, ou mesmo, articulações do campo reformista ou apenas sindical, como é o caso do Encontro Internacional de Partidos Comunistas e Operários (IMCWP), da Federação Sindical Mundial (WFTU), da Via Campesina e da Coordenação Latino Americana de Organizações do Campo (CLOC). As de caráter voluntarista se traduzem principalmente em campanhas pontuais ou comitês como os que existem em solidariedade a Rojava e ao povo curdo, a causa palestina e contra o Estado de Israel ou ao Exército Zapatista de Libertação Nacional (EZLN) e o Congresso Nacional Indígena (CNI), por exemplo. Apesar de todas estas iniciativas serem importantes, é notável a falta de capacidade para gerar alguma resposta política conjunta neste período de crise pandêmica, social e política. A atual crise mostra que é preciso resgatar a solidariedade ativa e o internacionalismo proletário para o campo da ação política, pois somente os fóruns de discussão ou as notas públicas não dão conta dos desafios da atual fase da luta de classes.

Especialmente no Brasil, iniciativas de articulação internacional parecem ignorar a necessidade de construção de elos mais sólidos com nossos vizinhos. Os mesmos setores que fazem campanhas e vibram com a resistência armada no distante Curdistão, com maoístas na Índia e nas Filipinas, ou mesmo fazem uma espécie de “adesão poética” aos zapatistas no México, ignoram os homens e mulheres em armas que combatem em nas selvas e zonas rurais sul-americanas, principalmente na Colômbia com o Exército de Libertação Nacional (ELN), no Paraguai com o Exército do Povo Paraguaio (EPP) e, em menor escala, com a insurgência mapuche mantida pela Coordinadora Arauco-Malleco (CAM) no Chile. O interesse pelas lutas em outros países parece ser orientado de acordo com os vínculos ideológicos, a repercussão midiática e o fetiche pequeno-burguês com as “minorias”, por vezes benevolente e quase sempre descompromissado, ou seja, critérios nem um pouco objetivos.

Nos dias 11, 12 e 13 de fevereiro foi realizado o XIII Encontro Guevarista Internacional em Montevidéu, Uruguai. O encontro contou com representações de países da América do Sul em um momento oportuno, pois a desorientação política impera nos meios de esquerda, o oportunismo reformista e o progressismo neoliberal ganham mais fôlego a cada dia. O encontro teve como objetivo o alinhamento político da militância revolucionária espalhada pelo nosso continente para combater as burguesias nacionais, o avanço imperialista e a conciliação dentro dos movimentos da classe trabalhadora. Este espaço de unidade e troca de experiências entre diferentes organizações revolucionárias, além de ser extremamente necessário neste período de avanço do conservadorismo e do oportunismo de esquerda, também cumpre o papel de manter vivo o legado do internacionalismo latino-americano, que foi fundamental para resistência contra as ditaduras militares à serviço de Washington nas décadas de 1960/70 e nas lutas anticoloniais pelo mundo, por isso, todos devemos nos espelhar e saudar esse importante encontro. Experiências impulsionadas pelos ventos da Revolução Cubana e do guevarismo como a OSPAAAL (Organização de Solidariedade com os Povos da Ásia, África e América Latina), a Organização Latino-Americana de Solidariedade (OLAS), e depois, a Junta de Coordenação Revolucionária (JCR), devem servir para inspirar novas redes internacionais de solidariedade na América Latina e o apoio ativo às lutas insurgentes de nossos povos.

Um encontro como esse num momento de crise global, onde na maior parte do mundo os trabalhadores encontram-se esmagados pelo capital, mesmo pequeno, aponta a articulação internacional entre a esquerda revolucionária como uma das saídas para a atual impotência política. Mas também serve de estímulo para os revolucionários brasileiros entenderem de uma vez por todas que se tratando de América do Sul, o Brasil é um país determinante no que diz respeito à economia, política e poder militar, sendo assim a relação internacional com nossos vizinhos deve ser uma prioridade estratégica e não uma questão de simpatia ideológica ou uma simples manifestação de solidariedade.

O slogan “trabalhadores do mundo, uni-vos!” imortalizado pela Associação Internacional dos Trabalhadores (AIT), significou muito mais do que um princípio ou ideologia reivindicada pelos trabalhadores do mundo em luta contra o capital, foi uma necessidade de resposta à aliança internacional da burguesia, seus Estados e aparelhos ideológicos. Contudo, mais do que uma necessidade, representava estratégias revolucionárias distintas dentro do movimento proletário internacional. Para os discípulos de Marx os países mais desenvolvidos ocupavam papel central na estratégia de conquista poder, por esses países concentrarem maior contingente do proletariado industrial e em tese possuírem um maior grau de consciência de classe. Já para os partidários de Mikhail Bakunin, os países periféricos eram o foco da estratégia, pois a exploração nas margens do capitalismo era a base de sustentação dos países centrais e os trabalhadores estariam, em tese, menos domesticados pela institucionalidade burguesa.

O fato é que independente da melhor estratégia ou dos objetivos finais distintos, ambas as escolas socialistas tinham como horizonte revolucionário a destruição do poder estatal-burguês, além de contribuírem para a expansão das ideias socialistas pelo globo. Um exemplo disso é que graças a estratégia bakuninista de construção da periferia para o centro, assimilada por diferentes correntes anarquistas, o sindicalismo combativo se expandiu para além da Europa e da América do Norte, constituindo as raízes de praticamente todo movimento operário latino-americano.

Com o declínio da União Soviética e a cristalização da hegemonia do reformismo na esquerda, houve o abandono progressivo das perspectivas de tomada de poder. Se na Primeira Internacional as divergências estratégicas sobre o internacionalismo residiam em diferenças de base teórica, pois mesmo Marx e Engels apontando como útil a disputa eleitoral, tal tática era subordinada ao objetivo de organizar as massas para uma ruptura violenta, algo que pode ser constatado nos escritos de Marx, Engels ou Bakunin, antes e depois da Comuna de Paris. O internacionalismo proletário perdeu seu conteúdo estratégico e se tornou meramente ideológico, resumindo-se a propaganda ou um tipo de solidariedade não-ativa.

Houve o abandono do legado internacionalista que articulou insurreições em vários países, ergueu a bandeira da defesa da autodeterminação dos povos contra as guerras imperialistas e conseguiu reunir comunistas e anarquistas para uma ofensiva da classe trabalhadora. Exemplos desse legado, que retomam a AIT, ainda permaneceram na resistência antifascista espanhola, que contou com militantes de todo o mundo pegando em armas, no internacionalismo cubano que garantiu apoio material para a resistência guerrilheira nos países periféricos, nas importantes lutas de libertação e anticoloniais em África e nas redes guerrilheiras de organizações da Europa, América Latina e Oriente Médio até o fim dos anos 1980, mas que se perderam no tempo, pois o internacionalismo ao não ter uma função clara dentro de uma estratégia de tomada do poder se tornou estéril.

Muitos no Brasil podem questionar sobre as campanhas de solidariedade de organizações maoístas em favor da insurgência naxalita na Índia dirigida pelo PCI e a guerra popular nas Filipinas sob direção do Novo Exército Popular (NEP), assim como, as campanhas de anarquistas e autonomistas em apoio aos zapatistas e combatentes de Rojava, mas todas essas ações são impulsionadas a partir de aspirações ideológicas e resultam em manifestações de solidariedade limitadas, na maioria dos casos se resumem a publicização de fatos políticos. Já uma política internacionalista proletária deve ser impulsionada por objetivos estratégicos claros e resultar em fortalecimentos de elos políticos reais. Com certeza é importante a manifestação de solidariedade aos trabalhadores e revolucionários em luta pelo mundo, porém é mais importante determinar através da análise materialista da realidade quais países são imprescindíveis para uma estratégia de tomada do poder em nosso país. Em poucas palavras, as organizações revolucionárias devem buscar boas relações principalmente em países que possuem vínculos econômicos, alianças militares ou nos que são fronteiriços com o Brasil. Logo, encontros como da Coordenação Guevarista Internacional (CGI) e as insurgências na Colômbia e Paraguai, deveriam ter mais atenção das organizações da esquerda brasileira que se reivindicam revolucionárias.

O objetivo principal de toda a política internacionalista proletária a nível de organização de massas deve ser unificar o proletariado de diferentes países em uma luta conjunta contra a burguesia mundial e contra o imperialismo, já a nível de organização revolucionária, devem ser alianças com as vanguardas revolucionárias de cada país, ou seja, aquelas organizações revolucionárias com influência real ou inseridos em parte dos setores de trabalhadores organizados de determinado país de nosso interesse estratégico.

Por exemplo, no verão europeu de 1914 estourou a Primeira Guerra Mundial, a primeira grande guerra do século XX e o primeiro conflito em estado de guerra total, ou seja, quando uma nação mobiliza todos os seus recursos para uma campanha militar. Nesse período Lênin conseguiu de longe ter as posições mais claras e acertadas estrategicamente, num período extremamente complexo, de desorientação na esquerda internacional e de sacrifícios incalculáveis para a classe trabalhadora. Lenin sabia que as guerras eram uma consequência inevitável da concorrência entre os capitalistas, sendo assim, não era suficiente somente se posicionar contra a guerra, mas também era necessário trabalhar para fazer uma “única guerra verdadeiramente emancipadora, quer dizer, a guerra civil contra a burguesia, tanto em seu “próprio” país, quanto nos demais países. Mesmo sendo em uma situação histórica muito diferente da nossa, a utilização do internacionalismo como uma arma estratégica possibilitou o avanço da revolução socialista para além da Rússia e a ofensiva proletária revolucionária nos países centrais evitou que os aparatos burocrático-militares dos demais Estados somassem todas as forças na campanha contrarrevolucionária contra o poder soviético.

Em tempos de “paz” o internacionalismo proletário serve para dar resposta a nível mundial aos ataques da burguesia, seja paralisando simultaneamente a produção de uma indústria multinacional em mais de um país, seja para realizar protestos, sabotagens e boicotes articulados internacionalmente. Já em tempos de guerra o internacionalismo proletário serve como defesa a autodeterminação dos povos articulando protestos contra a guerra e o imperialismo, por exemplo, mas principalmente agindo para impedir o apoio à reação da burguesia de um país onde há uma insurreição revolucionária. Porém, é importante deixar claro que são nos períodos de “paz” que se deve construir as relações internacionais necessárias para haver possibilidade de vitória nos períodos de guerra.

Logo, o internacionalismo proletário é essencial para garantir uma estratégia socialista revolucionária, que deve ser baseada em questões objetivas e não ideológicas, partindo de uma concepção revolucionária em que os critérios de maior importância devem ser os econômicos, políticos e militares. Utilizando estes critérios, mesmo com uma análise superficial, é possível chegarmos a alguns países que são chaves para avançar, a partir do Brasil, em alianças proletárias internacionalistas.

A nível econômico os maiores compradores da produção brasileira são respectivamente: China, Estados Unidos, Países Baixos, Argentina, Japão, México, Alemanha, Espanha e Coréia do Sul. Já os maiores fornecedores para o Brasil, pela ordem, são: China, Estados Unidos, Argentina, Alemanha, Coréia do Sul, Índia, México, Japão, Itália e Rússia. A nível de políticas de Estado, o Brasil tem diversos acordos comerciais pelo Mercosul e outros por meio da Associação Latino-Americana de Integração (ALADI). No ramo automotivo o Brasil possui acordo com Uruguai, México, Argentina e Paraguai, também acordos alfandegários com o Chile e de facilitação de circulação de mercadorias com o Suriname. Além destes, existem acordos comerciais com vários outros países como Egito, Índia e Israel, por exemplo.

A nível militar, hoje, o Brasil é a maior potência bélica da América Latina e possui acordos militares com a Argentina, Chile, Peru, Colômbia, Paraguai e EUA, sendo todos vinculados à OTAN. Isto significa que o Brasil é a maior força militar de apoio ao imperialismo estadunidense na América do Sul. Comparando com a Argentina, por exemplo, o Brasil tem quatro vezes mais pessoal militar, três vezes mais aeronaves, o dobro de veículos terrestres e quase o triplo de embarcações. O Brasil possui um efetivo de 334.500 mil militares, 437 tanques, 110 navios, 5 submarinos, 706 aeronaves, 43 caças, 121 bombardeiros e 180 lança-mísseis de longa distância. Apesar de muitas dessas armas serem obsoletas, ainda assim o país possui o maior poder de fogo no subcontinente.

Ainda que em uma análise inicial, esses dados servem como uma direção sobre quais países são determinantes para o estabelecimento de alianças nas Américas e nos demais continentes. Em resumo, devemos criar elos proletários em países onde a classe trabalhadora e os revolucionários tenham condições de gerar pressão político-econômica para a burguesia e governantes do nosso país, e vice-versa. Como nos tem mostrado o exemplo atual e o esforço do internacionalismo guevarista em Nossa América, a história mostra que se não fosse uma política internacionalista com uma estratégia acertada, feitos como a Comuna de Paris, a Revolução Russa e a Insurreição de 1936-39 na Espanha não teriam passado dos primeiros dias, por isso é urgente resgatar o internacionalismo proletário como parte estratégica de tomada do poder pela classe trabalhadora de cada país.

*A coluna “Debate MUP” é uma tribuna de opiniões e debates organizada pelo Movimento de Unidade Popular (MUP) para a discussão teórico-política de temas importantes para a luta popular e revolucionária. As opiniões assinadas da coluna não refletem necessariamente as posições do MUP, mas servem para debate e construção coletiva de nossa linha política. A tribuna “Debate MUP” é aberta para contribuições de militantes e/ou coletivos comprometidos com a causa do povo e a libertação popular sobre temas importantes para a luta de classes.

COMPARTILHE

LEIA AS ÚLTIMAS POSTAGENS EM NOSSO BLOG

Presidente Fred, o messias pantera

No início do ano letivo no campus leste da Escola Secundária Proviso, um colégio com maioria de estudantes negros em Maywood, nas proximidades de Chicago, em