COMANDANTE CLEMENTE, VIVE E LUTA!

Em 29 de junho de 2019, há dois anos, o saudoso Carlos Eugênio da Paz, nosso Comandante Clemente, nos deixava. Clemente assumiu o comando militar da Ação Libertadora Nacional, a ALN, e fez parte de sua Coordenação Nacional, após o assassinato pela ditadura militar fascista do Comandante Toledo, o Velho, Joaquim Câmara Ferreira, em 23 de outubro de 1970. Com apenas 20 anos, Carlos Eugênio, juntamente com Ana Maria Nacinovic, Paulo de Tarso Celestino, Iuri Xavier Pereira, José Luiz da Cunha, o Comandante Crioulo, e tantos outros homens e mulheres do povo, combatentes da libertação popular formaram a última geração de guerrilheiros da ALN, fundada por Carlos Marighella e a mais importante organização revolucionária que combateu a ditadura empresarial-militar. Sentenciado a 124 anos de prisão pela ditadura e o mais procurado guerrilheiro da última fase da luta armada contra o regime fascista dos generais, o Comandante Clemente, foi retirado do país pela organização, saindo pela Argentina e Cuba, até se exiliar em Paris a partir de 1973/74, conseguindo sua anistia política apenas em 1982. Escreveu dois importantes livros de memórias da luta revolucionária no Brasil: “Viagem à luta armada” (1996) e “Nas trilhas da ALN” (1997). Através de seus depoimentos, generosidade e combatividade fez a ponte entre a geração de revolucionários da ALN e a geração atual. Em sua homenagem publicamos o texto inédito da Ação Libertadora Nacional, que traz um balanço das ações da ALN sob o comando militar de Carlos Eugênio da Paz, publicado no jornal O Guerrilheiro nº 4, de janeiro de 1972: FORTALECER A NOSSA DECISÃO – UM BALANÇO Janeiro de 1972* Estamos cumprindo pouco mais de um ano do assassinato de Toledo, fato que tornou maiores e mais difíceis as responsabilidades assumidas e as tarefas a realizar. Qual era a situação naquela época? A que nos propúnhamos então? O ano de 1970 havia sido, para o movimento revolucionário em geral e para a Organização em particular, um ano da atividade intensa e de pouco desenvolvimento. Com a morte de Marighella e os golpes sucessivos que sofremos naquele período, o inimigo conseguiu tomar e manter a iniciativa, atingindo-nos duramente e evitando que pudéssemos desencadear as ações rurais. Assim, 1970 deveria ser um ano de reconstrução e de reorganização, tarefa difícil em virtude das condições de refluxo e confusão que enfrentávamos. O número de ações reduziu-se consideravelmente, ficando em sua maior parte restritas a São Paulo e possuindo um caráter eminentemente financeiro. A imprensa clandestina praticamente inexistiu, a distribuição de materiais e seu debate foram limitados, a atividade e a penetração política da Organização nas diversas áreas foi muito escassa. Mesmo assim, sob o comando de Toledo, fomos enfrentando tal quadro, buscando cumprir o fundamental de nossas perspectivas, de reorganização e estabilidade da Organização. Mas a morte deste dirigente revolucionário provado e respeitado, líder indiscutível, veio agravar as condições que tínhamos de cumprir estas tarefas. Qual era o quadro que então enfrentávamos? De um lado, sob a orientação de Toledo, vínhamos superando uma série de dificuldades decorrentes da morte de Marighella. As quedas desse período, somadas as do início do ano, criavam uma situação de dispersão e a falta de uma atividade planejada e centralizada. Rompe-se o elo da frente urbana e rural, com todas as consequências disso. Manifestavam-se desvios de todo o tipo (liquidacionismo em relação à luta urbana, visão deformada da luta rural, abandono do trabalho político, etc.). Firme e pacientemente, Toledo dirigia o trabalho de reconstrução da Organização em todos os sentidos: recontata setores e áreas, orienta a abertura de frentes de trabalho político, efetua deslocamentos, organiza, coordena, planeja. Sua direção vai se fazendo sentir principalmente no terreno político: importantes passos se dão no sentido de uma maior aproximação entre as forças revolucionárias, com várias iniciativas concretas, ações conjuntas, etc. No documento “ALN, balanço e perspectivas”, indica as diretrizes fundamentais para nossa atuação, desenvolve novos critérios e sistemas de organização, adequados às novas condições, com base no combate aos desvios, e consolida-se a unidade da Organização. Retoma-se o trabalho rural, já dentro de um planejamento. Na Guanabara, em agosto, havíamos sido vítimas de infiltração, perdemos alguns quadros valiosos e também as condições operacionais. Em setembro, a Organização no Nordeste havia sido golpeada e dispersada, estávamos sem contato com a região. Em Minas possuíamos reduzida penetração e não tínhamos condições para a realização de ações. Em São Paulo ainda nos ressentíamos dos profundos golpes recebidos em 69 e 70. Apesar de ali serem melhores as condições operacionais, a infraestrutura abrangia um número reduzido de setores e a penetração da Organização estava debilitada. Portanto, ao encararmos então o ano de 1971, difíceis se afiguravam os objetivos a atingir, enormes dificuldades a vencer. Hoje, dando um balanço de nossas atividades, os avanços que conquistamos são inegáveis e evidentes os resultados obtidos. A melhor maneira de expressarmos esse avanço, ao resumirmos nossa atuação em 1971, é enumerar de forma sumária o volume de ações desenvolvidas – expressão aberta da existência da ALN (sendo, portanto, do conhecimento do inimigo, sem implicar na violação das normas de segurança). SÃO PAULO Em SP, a Organização realizou no ano de 1971, aproximadamente 75 ações de maior vulto. Destas, 10 foram realizadas em Frente com outras Organizações e grupos revolucionários. Não pretendemos relacionar todas as ações, mas acreditamos ser importante destacar alguns de seus aspectos principais: as de caráter expropriatório-financeiro somam 26, dentre as quais 7 empresas (Mangels, Villares, Ericsson, Vulcan, Pollone, Cima, Coca-Cola). As realizadas visando a fortalecer a infraestrutura chegam a 12, abrangendo principalmente os setores de documentação, imprensa e propaganda. No que se refere às ações de fustigamento do inimigo e aumento da potência de fogo, seu número atinge 10, destaca-se o ataque a 7 rádio-patrulhas. Finalmente, temos um conjunto de aproximadamente 25 ações que abrangem os mais variados setores, com os mais diversos objetivos. Como exemplos, temos as ocupações do restaurante de luxo Hungaria, no dia 1º de maio; de um teatro; do refeitório da PUC; a colocação de uma viatura com fita gravada na USP; uma distribuição

Ivan Seixas, ex-preso político e guerrilheiro do MRT, fala sobre a luta armada contra a ditadura e o justiçamento de Boilesen

No marco dos 50 anos do justiçamento do empresário fascista Henning Albert Boilesen, entrevistamos o camarada Ivan Akselrud de Seixas, jornalista, ex-preso político e guerrilheiro urbano do Movimento Revolucionário Tiradentes, o MRT. Em 15 de abril de 1971, o Comando Devanir José de Carvalho, composto pela ALN, a Ação Libertadora Nacional, e o MRT, justiçou Albert Boilesen na alameda Casa Branca, em São Paulo. Devanir José de Carvalho, o Comandante Henrique, fundador do MRT e homenageado na ação havia sido assassinado pela ditadura no dia 7 de abril de 1971. A ALN, o MRT e outras organizações como a Vanguarda Popular Revolucionária (VPR), o Partido Comunista Brasileiro Revolucionário (PCBR) e o Movimento Revolucionário 8 de Outubro (MR-8) se articulavam na Frente Armada e resistiam a uma brutal repressão no início dos anos 1970. A ação que justiçou Albert Boilesen foi comandada por Carlos Eugênio da Paz, o Clemente, então comandante militar da ALN.     Boilesen, dinamarquês naturalizado brasileiro, era presidente do grupo Ultragaz e um dos organizadores do apoio empresarial ao regime dos generais. Articulava as doações de empresários à Operação Bandeirantes, a famigerada OBAN, acompanhando e participando pessoalmente de sessões de tortura. Na entrevista, o camarada Ivan Seixas nos fala também sobre sua atuação no MRT, a esquerda armada, o papel do PCB, o imperialismo e a relação da burguesia brasileira com a ditadura. CDR: Saudações camarada Ivan, primeiro gostaríamos que se apresentasse aos nossos leitores e falasse um pouco sobre sua trajetória e o Movimento Revolucionário Tiradentes. Ivan Seixas: Sou filho de um casal de comunistas, que se conheceram dentro da sede do Partido Comunista, no Rio de Janeiro. Meu pai era um operário mecânico, paraense, filho de pernambucano com cearense, e minha mãe era uma professora de ensino primário, gaúcha, filha de imigrantes russos, fugitivos dos massacres czaristas. Eu nasci em Porto Alegre, Rio Grande do Sul, num bairro miserável, quase uma favela, e desde cedo vi meus pais e muitas outras pessoas lutando por condições mínimas de sobrevivência, tais como água, luz, esgoto, transportes, escolas e posto de saúde, entre outras. Meus pais foram expulsos do PCB, em 1953, por criticarem a linha política de uma direção que não tinha como objetivo a tomada do poder. Continuaram a lutar contra a ditadura da burguesia nos movimentos populares e sindicais. As lutas contra a ditadura econômica da burguesia foram agravadas quando houve o golpe militar, em 1964. Todas as pessoas que lutavam por conquistas mínimas de sobrevivência para a classe trabalhadora, passaram a lutar contra a ditadura política implantada pelos militares a serviço da burguesia. À época do golpe de Estado meu pai trabalhava na Petrobras e atuava no sindicato da categoria. Por essa causa perdeu o emprego e passou a constar nas listas sujas, que tinham os nomes dos inimigos da ditadura, que não poderiam ter empregos em nenhuma empresa, pública ou privada. O objetivo era fazer os que lutam passar fome com suas famílias. Meu pai, e por extensão toda a família, passou a fazer parte de organizações clandestinas de luta contra a ditadura. No Rio Grande do Sul, para onde voltamos após o golpe, na tentativa de fugir das listas sujas, meu pai se integrou a um movimento clandestino, que reunia ex-militares brizolistas e comunistas decepcionados com a inação do PCB e sua direção. Era o MR-26 – Movimento Revolucionário 26 de Março, que tinha esse nome por ser remanescente da primeira experiência de luta armada do Brasil pós-golpe, que é conhecida como “Guerrilha de Três Passos”, comandada pelo ex-coronel Jefferson Cardim e que foi deflagrada nesse dia. Em 1970, meu pai foi contatado por um companheiro de Petrobras e do sindicato dos petroleiros, que há tempos tentava esse contato. Trazia um convite dos companheiros do MRT – Movimento Revolucionário Tiradentes, que aglutinava forças na sua luta armada, em São Paulo. O convite foi aceito e nossa família se transferiu para a capital paulista para integrar a luta contra a ditadura. O MRT era uma organização revolucionária composta apenas por operários e trabalhadores de vários segmentos. O comandante da organização, Devanir José de Carvalho, era um torneiro mecânico e fundador do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC paulista, tinha sua base de atuação nessa categoria e nessa região. O segundo comandante era o operário da indústria gráfica Dimas Antônio Casemiro, nascido e atuante na região de Votuporanga, com família de camponeses. O terceiro comandante passou a ser meu pai. Todos comunistas de longa militância e marcados pela divergência com a direção reformista do PCB, desde antes do golpe. O nome do Movimento Revolucionário Tiradentes é uma homenagem ao MRT, braço armado das Ligas Camponesas, criado por Francisco Julião, em 1961. Vários militantes comunistas atuavam nessa organização das Ligas Camponesas como tarefa de seus partidos, notadamente o PCdoB – Partido Comunista do Brasil, que depois romperam com esse partido por ocasião do golpe e foram militar nas organizações de luta armada urbana. Entre esses havia vários que depois foram fundar o MRT em que eu atuei. Era a sinalização de que era uma organização de luta para a tomada do poder. Desde sua origem, o MRT atuou na ação armada e na busca de unidade das várias organizações de luta armada. A sua primeira grande ação foi a captura do cônsul japonês, em São Paulo, feita junto com a VPR – Vanguarda Popular Revolucionária, liderada pelo capitão Carlos Lamarca. A marca da organização sempre foi a dedicação radical e ostensiva na ação contra o inimigo, e a busca da unidade das esquerdas empenhadas na luta armada, numa grande Frente Armada. A linha política central do MRT era marxista-leninista e se definia como um “movimento”, que buscava a reorganização do Partido Comunista, que julgava extinto no Brasil. Por ser leninista, entendia que a luta armada é a forma eficaz e efetiva para a tomada do poder. Por não aceitar a ação armada desgarrada do trabalho político junto às massas trabalhadoras, o grupo dedicado às ações armadas era composto por, no máximo, dez pessoas. Nunca passamos de oito, mas a

VIVA OS 50 ANOS DO JUSTIÇAMENTO DE BOILESEN

Em 15 de abril de 1971, há 50 anos, o Comando Devanir José de Carvalho, formado pela Ação Libertadora Nacional (ALN) e pelo Movimento Revolucionário Tiradentes (MRT) justiçava o sádico empresário dinamarquês, naturalizado brasileiro, Henning Albert Boilesen. A heroica ação mostrou ao mundo a relação direta e umbilical entre a ditadura militar fascista, o empresariado brasileiro e as multinacionais. Albert Boilesen era presidente do Grupo Ultragaz e fundador do Centro de Integração Empresa Escola (CIEE), um dos organizadores do apoio dos empresários à Operação Bandeirante, a OBAN, embrião do DOI-CODI e composta por membros da Aeronáutica, Marinha, Polícia Federal, SNI e órgãos do Governo de São Paulo, que torturou e assassinou centenas de trabalhadores e militantes revolucionários. O Grupo Ultragaz, foi uma das cerca de 80 empresas brasileiras e multinacionais que forneciam apoio ou suporte direito à repressão, entre elas a Volkswagen, FIAT, Chrysler, Ford, General Motors, Toyota, Scania, Rolls-Royce, Mercedes Benz, Brastemp, Telesp, Kodak, Caterpillar, Johnson & Johnson, Petrobras, Camargo Corrêa, Embraer, Monark e outras. Boilesen, assim como, Paulo Henrique Sawaya Filho e Geraldo Resende Matos faziam parte do Grupo Permanente de Mobilização Industrial, frequentando assiduamente o DOPS paulista, participando pessoalmente das sessões de tortura e organizando a relação direta entre industriais como Nadir Dias de Figueiredo da FIESP, bancos e multinacionais com os centros de tortura, a repressão e os assassinatos políticos coordenados pelos delegados Romeu Tuma e Sérgio Paranhos Fleury, que dirigia também o Esquadrão da Morte. O auge da repressão no governo do general Emílio Garrastazu Médici, entre 1969 e 1974, após o AI-5, era uma resposta a ascensão das lutas do povo brasileiro contra a ditadura militar-empresarial, com as grandiosas manifestações estudantis, principalmente a Passeata dos Cem Mil no Rio de Janeiro, e as combativas greves operárias de 1968, como em Contagem (MG) e Osasco (SP), e ao avanço das ações das organizações da luta armada. Diante do imobilismo e da covardia da direção do Partido Comunista Brasileiro (PCB) em construir a resistência ao golpe de Estado de 1964 que derrubou João Goulart e a ditadura militar que se seguiu, um primeiro setor ligado ao trabalhismo e militares nacionalistas perseguidos iniciou a luta armada, primeiro com a Guerrilha de Três Passos (1965) e depois com a Guerrilha do Caparaó (1966-67). Com a radicalização de parte da esquerda cristã através da Ação Popular (depois Ação Popular Marxista Leninista), a saída de parte importante da direção do Partidão que ainda em 1962 formou o PCdoB maoísta, setores da POLOP (Organização Revolucionária Marxista Política Operária) favoráveis a luta armada e os rachas no PCB que deram origem ao Agrupamento Comunista de São Paulo, depois ALN, ao PCBR e as Dissidências Internas a partir de 1967, formou-se um amplo campo de setores que defendiam diferentes concepções de luta armada no Brasil e também atuavam nas lutas operárias, camponesas e estudantis. Em 1968, no auge das lutas populares combativas e ações armadas a esquerda brasileira conseguia balançar o poder da ditadura. Carlos Marighella, em sua “Mensagem aos operários do Brasil através da Rádio Havana – Cuba”, em 1967, durante sua partição na Conferência da Organização de Solidariedade Latino-americana, a OLAS, quando seria expulso do PCB, definia a situação histórica da seguinte forma: “É um círculo vicioso. O movimento de massas avança, em seguida é detido pelo golpe militar. Passa-se algum tempo de ditadura, mais ou menos duradouro, que nada resolve para o povo. Vem a desmoralização dos ditadores. Surgem os líderes burgueses que pleiteiam eleições e democracia para salvar o país (Lacerda, Frente Ampla, etc.). O movimento de massas cresce mais uma vez. Em seguida vem um novo golpe militar e tudo recomeça. É que por meio de eleições ou pela via pacífica jamais o povo brasileiro se libertará. Não há outro caminho para os trabalhadores senão conquistar o poder pela violência e destruir o aparelho burocrático militar do Estado, substituindo-o pelo povo armado.” Com o AI-5 em dezembro de 1968, a atuação ainda mais direta do imperialismo norte-americano nas ações militares e o governo Médici a partir de 1969, a repressão foi tomando contornos cada vez mais brutais e se ampliando também para setores da cultura, da classe média progressista e até mesmo da pequena-burguesia. Do outro lado, as organizações armadas que enfrentavam e resistiam à ditadura com a violência revolucionária formam a Frente Armada, articulando a ALN (maior organização guerrilheira e que havia perdido seus dois principais dirigentes, Marighella em 1969 e Joaquim Câmara Ferreira em 1970), o MRT, a Vanguarda Popular Revolucionária (VPR), o Partido Comunista Brasileiro Revolucionário (PCBR), o Movimento Revolucionário 8 de Outubro (MR-8, a antiga Dissidência Interna da Guanabara) e outras com menor participação. É nesse ambiente de aumento da repressão que Devanir José de Carvalho, o Comandante Henrique, operário guerrilheiro e fundador do Movimento Revolucionário Tiradentes (MRT) é sequestrado em 5 de abril, barbaramente torturado e assassinado pela ditadura no dia 7 de abril de 1971, quando a ALN e o MRT decidem executar Boilesen, que havia sido reconhecido por militantes torturadas. A ação que justiçou Albert Boilesen foi comandada por Carlos Eugênio da Paz, o Clemente, então comandante militar da ALN. A execução de Boilesen teve importância fundamental por revelar a participação direta e financiamento da empresários vinculados à Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (FIESP) nas torturas e assassinatos políticos. O dinamarquês era responsável pelo caixinha dos empresários, e além de “cobrar ingresso” para outros empresários acompanharem sessões de tortura, fornecia instrumentos aos torturadores, um deles ficou conhecido como a “pianola Boilesen”. A ação do Comando Devanir José de Carvalho ocorreu na alameda Casa Branca, em São Paulo, mesmo rua onde Marighella havia sido executado em 4 de novembro de 1969, e deixou muito evidente o papel dos empresários não só na articulação com a ditadura militar, como no sadismo em participar das sessões torturas de militantes da luta armada e de trabalhadoras e trabalhadores, visto que as empresas que participavam e apoiavam a ditadura usaram também a repressão, os métodos de torturas e assassinatos políticos contra seus

Isis Dias: estudante do povo e revolucionária

Isis Dias de Oliveira foi uma militante da Ação Libertadora Nacional (ALN), estudante do povo e guerrilheira urbana que enfrentou a ditadura militar-empresarial no Brasil. Cursou Ciências Sociais na FFLCH da Universidade de São Paulo (USP), foi moradora do CRUSP e educadora popular. Sequestrada, torturada e assassinada brutalmente pela repressão em 1972. Isis recebeu treinamento em Cuba e se transferiu para o Rio de Janeiro, onde participou de ações de propaganda armada e expropriações de bancos, além de editar o jornal Ação, da ALN da Guanabara. Sequestrada no dia 30 de janeiro de 1972 junto com o militante Paulo César Massa, quando o DOI/CODI estourou um aparelho da ALN carioca, teve seu assassinato confirmado algum tempo depois por sua família, assim como Paulo César e outros dez militantes desaparecidos. Isis Dias, assim como outros estudantes do povo, fez parte da geração combativa e revolucionária de estudantes que confluíram para a luta armada contra a ditadura e o imperialismo, integrando a ALN e outras organizações revolucionárias. Abaixo reproduzimos um documento inédito, o manifesto da Frente Estudantil pela Luta Armada – FELA convocando os estudantes para ações de apoio e integração a luta revolucionária para derrubar a ditadura militar-empresarial. A FELA atuou entre 1969 e 1970 como uma frente estudantil da ALN, até ser desmantelada pela repressão e ter a maioria de seus militantes presos. COMPANHEIROS O processo revolucionário está instalado no Brasil. O papel que cabe a nós estudantes é dar todo apoio aos revolucionários. As ações revolucionárias desenvolvidas pelos guerrilheiros urbano e rurais precisam continuar em todas as frentes. A universidade é um campo de lutas dos estudantes, é uma das frentes de luta dos estudantes. A luta dos estudantes dentro da Universidade – em suas ações revolucionárias será a continuidade das lutas dos guerrilheiros – a vanguarda do processo revolucionário brasileiro. O nosso inimigo é comum, a burguesia (com sua ditadura militarista) e os imperialistas norte-americanos. A burguesia através de sua ditadura militar está tentando manipular a universidade para seus interesses. As reformas que ele tenta desenvolver na universidade através de órgãos reacionários como o Conselho Universitário, Reitoria, Conselhos Estadual e Federal de Educação, etc. tem como objetivo efetivar seus interesses monopolistas. A burguesia através de sua ditadura militar quando abalada e impedida na sua política utiliza-se da repressão e da propaganda mesquinha para impor seus princípios: é assim que assistimos impassíveis a invasão do CRUSP; a invasão e prisão de vários colegas e professores nas escolas; a cassação dos nossos professores; a imposição de cursos e conferências reacionárias ministradas por militares aos colegas de Odontologia, Medicina, Farmácia, Bioquímica, etc. Mas não será a ditadura militar, e nem os lacaios imperialistas que irão impedir o desenvolvimento da nossa revolução: ela é irreversível. Chegou agora a vez dos estudantes. Contra a força, usaremos a força e a sagacidade. Agora é o brado de alerta: olho por olho dente por dente. Aqueles que não são por nós são contra nós – e que não tentem impedir nossa passagem, pois, serão massacrados. As ações revolucionárias desenvolvidas no Campus da CUASO são gritos de alerta contra a burguesia espoliadora. Isso é só o começo. Muitas outras ações virão, pois nós representamos os interesses dos estudantes. Devemos apoiar os guerrilheiros urbanos e rurais, pois em nós estudantes está a continuidade da luta nas cidades, atacando e rasgando as poltronas dos cinemas que expõem cartazes dos companheiros revolucionários; ameaçar com telefonemas anônimos os postos de gasolina e entidades públicas e privadas que representam os interesses da burguesia e dos imperialistas americanos; fazer propaganda de todas as formas possíveis da guerra revolucionária; dar caça sem trégua aos dedo-duros que infestam a Universidade; lutar em todas as classes, laboratórios, escolas, teatros, etc. contra as imposições da ditadura; discutir incessantemente as ações revolucionárias; e quer em grupos, quer isoladamente, colaborar com essas ações revolucionárias, etc. Isto é o mínimo que nós estudantes poderemos fazer para a Revolução. TODO APOIO AOS REVOLUCIONÁRIOS!LUTA SEM TRÉGUA CONTRA A BURGUESIA NA UNIVERSIDADE!CAÇA E MORTE AOS DEDO-DUROS! Frente Estudantil pela Luta Armada – FELAOutubro de 1969, São Paulo – SP. Veja o documento original publicado pela FELA.

CLEMENTE, PRESENTE! Um revolucionário nunca morre, porque suas ideias permanecem vivas

Faleceu neste sábado (29/06), em Ribeirão Preto (SP), o revolucionário, músico, escritor e ex-guerrilheiro Carlos Eugênio da Paz. Conhecido pelo codinome “Clemente”, Carlos Eugênio foi o último comandante da Ação Libertadora Nacional (ALN), assumindo a tarefa após os assassinatos de Carlos Marighella e Joaquim Câmara Ferreira. Um dos quatro brasileiros condenados ‘in absentia’ pelo regime, foi também um dos poucos integrantes da luta armada que sobreviveu sem nunca ter sido preso ou torturado, exilando-se na Europa em 1973 após o desmantelamento das organizações armadas pelas forças de repressão do governo. Foi um dos últimos brasileiros anistiados, em maio de 1982. Nascido em Maceió (AL), em 23 de julho de 1950, se mudou com a família para o Rio de Janeiro, onde estudou no Colégio Pedro II. Militante da ALN, participou ativamente de inúmeras ações contra a ditadura militar, entre elas o justiçamento do industrial dinamarquês Henning Boilesen, um dos principais financiadores da Operação Bandeirantes (OBAN) e espectador assíduo de sessões de tortura contra dissidentes políticos, praticadas nas dependências do DOI-Codi. Em 1973, Clemente vai para Havana e de lá segue para a União Soviética, Iugoslávia, e depois Paris, de onde retorna para o Brasil em 1981. De volta ao Brasil, Carlos Eugênio trabalhou como professor de Música e escreveu dois livros sobre a resistência à ditadura: Viagem à luta armada (1996) e Nas trilhas da ALN (1997). “Ele se vai como viveu a vida: com coragem”, disse Maria Cláudia, sua companheira, ao informar a amigos e companheiros sobre a partida de Clemente, vítima de falência respiratória, aos 68 anos. Carlos Eugênio deixa o exemplo de coragem e solidariedade aos companheiros de uma vida de lutas. Quando chegou ao Rio de Janeiro com a família vindo de Alagoas, foi estudar no Colégio Andrews, onde seu sotaque nordestino era alvo de deboche, o que levava a brigas diárias do lado de fora da sala de aula. Começou a fazer política em 1966, aos 16 anos e no ano seguinte, estudante do Colégio Pedro II, deixou a escola para ingressar na ALN de Carlos Marighella, por quem foi instruído a servir o Exército no Forte de Copacabana, de maneira a receber treinamento militar, aprender a obedecer para no futuro aprender a comandar e entender o pensamento dos militares de maneira a se tornar um comandante militar da guerrilha armada. Bom soldado e bom atirador, chegou a ser condecorado e homenageado pelo comandante do quartel, medalha que jogou fora num bueiro de Copacabana em 1969, após sua irmã ser torturada pelos militares. Sob o codinome de “Clemente”, uma homenagem ao jogador de futebol Ari Clemente, um ex-lateral esquerdo do Corinthians e do Bangu, integrou o Grupo Tático Armado – GTA, da ALN, participando de dezenas de ações armadas em assaltos a bancos, carros-fortes – o primeiro assalto a um carro da Brink’s no Brasil – enfrentamento com as forças de segurança e panfletagem. Em 1971, levou a cabo uma tentativa de sequestro do Comandante do II Exército, o general Humberto de Souza Melo, que acabou sendo frustrada, depois que os guerrilheiros, que cercaram o general, sua família e seus seguranças na porta de uma igreja na Vila Mariana, foram eles mesmo cercados por agentes do DOI-Codi. Após uma intervenção do general para que não houvesse um morticínio ali, todos acabaram se retirando, cada grupo para seu lado. No campo da política revolucionária, foi um dos principais articuladores da campanha pelo voto nulo, lançada pela ALN para as eleições de 1970, uma vitória da guerrilha. Junto com outros companheiros, executou, dentro do carro em que ocupavam, um capitão do exército descoberto infiltrado na guerrilha. Em Nas Trilhas da ALN, relata o justiçamento com objetividade, e sem tergiversar: “Ele se cala diante do inevitável, apontamos as pistolas e executamos a sentença. Descarregamos as armas no capitão, trocamos os pentes e batemos em retirada. Sete homens jogam as cartas da vez no jogo da sobrevivência e vencem a mão”. Em 23 de março de 1971, o mais polêmico ato da ALN foi cometido por ele junto com sua então companheira e seu grande amor na vida, Ana Maria Nacinovic Correia, e dos também militantes da ALN José Milton Barbosa, Antonio Sérgio de Matos, Paulo de Tarso Celestino e Yuri Xavier Pereira: a execução do companheiro de organização Márcio Leite de Toledo, o “Professor Pardal”, em via pública, na altura do número 45 da Rua Caçapava, em São Paulo, após uma série demonstrações de fraqueza pelo guerrilheiro em ações anteriores. Em caso de deserção ou prisão, Toledo, um militante treinado em Cuba, tinha conhecimento de todos os planos, táticas e identidades dos membros da ALN. Junto ao corpo foi deixado o seguinte comunicado: “A Ação Libertadora Nacional (ALN) executou, dia 23 de março de 1971, Márcio Leite Toledo. Esta execução teve o fim de resguardar a organização. Uma organização revolucionária, em guerra declarada, não pode permitir a quem tenha uma série de informações como as que possuía, vacilações desta espécie, muito menos uma defecção deste grau em suas fileiras… Tolerância e conciliação tiveram funestas conseqüências na revolução brasileira. Ao assumir responsabilidades na organização, cada quadro deve analisar a sua capacidade e o seu preparo. Depois disto não se permitem recuos. A revolução não admitirá recuos!”. Em sua guerra particular contra a ditadura militar, este foi o único ato pelo qual Clemente veio a sentir posteriormente remorso. Menos de um mês depois, o comandante foi responsável pelo tiro de misericórdia que matou o industrial dinamarquês radicado em São Paulo Henning Boilesen, um dos principais financiadores da OBAN e espectador assíduo da tortura de dissidentes políticos dentro das instalações do DOI-Codi. Boilesen foi justiçado pelo GTA da ALN em 15 de abril de 1971, no meio da rua Barão de Capanema, também na capital paulista. A mãe de Carlos Eugênio, Maria da Conceição Coelho Paz, também foi uma integrante da ALN, recrutada pelo filho, depois de fazer um curso de enfermagem em Cuba para cuidar dos feridos da organização. Em 1974, “Joana” (codinome recebido por Maria da Conceição) foi