Pela senda revolucionária de Carlos Lamarca

Publicado originalmente como apresentação do livro “Lamarca – Ousar Lutar, Ousar Vencer” (220 págs; 2021), do Editorial Adandé. A Operação Pajussara organizada pelo Destacamento de Operações e Informações – Centro de Operações e Defesa Interna, o famigerado DOI-CODI, envolveu gastos declarados que em valores atuais somariam um montante de cerca de 900 mil reais. Acompanhada de perto pelos organismos do imperialismo norte-americano no país, as duas fases da operação contaram oficialmente com a participação de 215 militares e policiais da Bahia, Guanabara, Pernambuco e São Paulo, tinha a participação direta do sanguinário delegado Sérgio Paranhos Fleury e teve como comandante o major Nilton de Albuquerque Cerqueira. As equipes formadas pela repressão foram batizadas com nomes como Lobo, Leão, Tigre, Onça e Águia. Atuaram também, além do IV Exército e a 6ª Região Militar, os serviços de informação da Aeronáutica (CISA), do Exército (CIE) e da Marinha (Cenimar), o Primeiro Esquadrão Aeroterrestre de Salvamento (Para-Sar), alguns DOPS estaduais e três grandes empresas tiveram envolvimento direto nas operações de repressão, a Companhia de Mineração Boquira, a Petrobras e a TransMinas, que enviaram pessoal, veículos e aeronaves. Todo esse aparato tinha como objetivo liquidar o Movimento Revolucionário 8 de Outubro, o MR-8, pôr fim a sua tentativa de instalar áreas de guerrilha rural na Bahia, caçar e assassinar o mais importante comandante guerrilheiro e que havia assumido a condição de principal inimigo público da ditadura militar fascista no Brasil em 1970, o ex-capitão do Exército brasileiro, Carlos Lamarca. Segundo o relatório produzido pelo Ministério do Exército, a operação tinha como função central “destruir o mito representado por Lamarca”, pois a adesão de um militar exemplar à luta armada contra o regime era um exemplo que assombrava os generais serviçais do imperialismo. Com grande cobertura sensacionalista da mídia burguesa, a ditadura realizou na região de Brotas de Macaúbas um verdadeiro massacre de camponeses, com bombardeios em povoados, helicópteros e torturas de pessoas acusadas de colaborar com os guerrilheiros, sendo parte delas amarradas em uma cruz improvisada no campo de futebol do povoado de Buriti Cristalino.  A figura histórica de Lamarca ainda desperta paixões mesmo passado meio século de seu assassinato. O menino franzino criado na zona central do Rio de Janeiro e que quase morreu de uma pneumonia dupla quando criança é um herói do povo brasileiro com uma importante memória viva no país. O dia 17 de setembro é sempre marcado em Brotas de Macaúbas e Ipupiara por um feriado local, quando também se realiza anualmente uma procissão até o Memorial dos Mártires homenageando os guerrilheiros e camponeses mortos. Lamarca figura entre os maiores ícones da luta armada revolucionária na América Latina, é reivindicado, contraditoriamente, pela mesma esquerda reformista e covarde à qual combateu firmemente, e ainda desperta o ódio tenaz de fascistas e militares saudosistas da ditadura, sendo o principal personagem de uma das mentiras recorrentes do ex-deputado corrupto e miliciano que assumiu a presidência do Brasil em 2019. Segundo Jair Bolsonaro, em um de seus delírios mitomaníacos, ele próprio teria, com apenas 15 anos de idade e morando em Eldorado Paulista (SP), ajudado militares na caçada a Lamarca durante o gigantesco cerco aos guerrilheiros da Vanguarda Popular Revolucionária, a VPR, no campo de treinamento do Vale do Ribeira. O homem assassinado covardemente aos 33 anos, em uma sexta-feira às 15:40h, enquanto tentava se recuperar à sombra de uma baraúna nas caatingas do povoado de Pintada, após 21 dias de perseguição no sertão baiano e cujo corpo caído foi eternizado em fotografia ao lado do seu companheiro da última batalha, Zequinha Barreto, era o terceiro filho do sapateiro Antônio Lamarca com a dona de casa Gertrudes da Conceição. Carlos Lamarca nasceu em 27 de outubro de 1937, foi criado no Morro de São Carlos, no Estácio, na então capital federal, com mais 5 irmãos. Sua politização tem raízes nas influências anarquistas de seu avô, imigrante italiano que passou a profissão de sapateiro para seu pai, Antônio. Apelidado de “Careca” pelos colegas de infância, o pequeno Carlos Lamarca se destacou nas escolas onde estudou, fazendo o primário na Escola Canadá e o ginasial no colégio de padres Instituto Arcoverde. Ainda adolescente participa das manifestações de rua durante a campanha nacionalista O Petróleo é Nosso. Em abril de 1955, após tentativas frustradas em Campinas e Fortaleza, Lamarca consegue ingressar na Escola Preparatória de Cadetes de Porto Alegre, sendo motivo de orgulho para sua pobre família carioca. Em 1957, transfere-se para a Academia Militar das Agulhas Negras, em Resende (RJ). Nesse período uma célula clandestina do PCB que atuava no meio militar inseria panfletos do Partidão e o jornal Voz Operária entre os travesseiros e lençóis dos cadetes. Lamarca passa a ser simpatizante e chega a solicitar sua entrada no PCB, recuando após conselhos de companheiros. Em 1959, se casaria secretamente com Maria Pavan, sua irmã de criação e que já esperava o primeiro filho do casal. É nesse contexto que Lamarca começa a se interessar pela leitura de autores marxistas e de livros como “Guerra e Paz”, do escritor russo Liev Tolstói (1828-1910). Com um perfil reservado e muito disciplinado, esteve nos EUA e no México com bolsas de estudos e conheceu boa parte do Brasil servindo ao Exército. Após três anos de estudos e treinamentos militares intensos tem a primeira promoção da carreira, sendo declarado como aspirante-a-oficial em dezembro de 1960 e designado para o 4º Regimento de Infantaria, em Quitaúna, Osasco (SP). No ano seguinte passaria à condição de segundo-tenente. Em 1962, Lamarca é convocado para servir no 11º Contingente das tropas brasileiras que integraram o Batalhão Suez nas Forças de Paz da ONU, atuando na região de Gaza, na Palestina, após a invasão da Península do Sinai por Israel com o apoio dos governos francês e britânico, em retaliação à nacionalização do Canal de Suez feita pelo presidente do Egito, o socialista árabe Gamal Abdel Násser. Permaneceu 18 meses no Oriente Médio, de onde retornou em 1963 impactado com a pobreza e a realidade cruel a que estavam submetidos os povos árabes, afirmando que