Memória e justiça: 7 anos do assassinato brutal de Cláudia Ferreira

Cláudia Silva Ferreira, conhecida como Cacau, era mãe de quatro filhos e cuidava de outros quatro sobrinhos. Foi assassinada pela Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro quando caminhava para comprar comida para seus filhos na manhã do dia 16 de março de 2014. Morta pela PMERJ durante uma operação no Morro da Congonha, zona norte do Rio de Janeiro, Cláudia Silva Ferreira teve seu corpo colocado dentro da mala da viatura pelos PMs, que alegavam prestar socorro, e durante o trajeto o porta-malas do carro abriu, o corpo de Claudia caiu na pista e ficou preso por um pedaço de roupa, resultando nas imagens brutais do seu corpo sendo arrastado por 350m na estrada Intendente Magalhães. A trabalhadora negra, que era auxiliar de serviços gerais em um hospital, foi assassinada aos 28 anos. Até hoje os policiais que mataram Cacau seguem impunes, todos os envolvidos seguem trabalhando normalmente na PMERJ, sem receber qualquer tipo punição criminal ou administrativa. Durante esses 7 anos de processo, apenas uma audiência sobre o caso foi realizada. Respondem pela morte de Claudia, o capitão Rodrigo Medeiros Boaventura e os policiais Zaqueu de Jesus Pereira Bueno, Adir Serrano, Rodney Archanjo, Alex Sandro da Silva e Gustavo Ribeiro Meirelles. A LUTA DO POVO VINGARÁ SUA MORTE! CLÁUDIA FERREIRA, PRESENTE!ABAIXO O GENOCÍDIO DO POVO NEGRO NAS FAVELAS E PERIFERIAS! 

Alexandra Kollontai: revolucionária e socialista

Em 9 de março de 1952, aos 79 anos, falecia a revolucionária socialista e Comissária do Povo durante a Revolução Russa de 1917, Alexandra Kollontai. Presa como “perigosa bolchevique” antes da revolução de outubro, Kollontai tinha uma grande capacidade de oratória e mobilização. Sob sua coordenação todas as leis que discriminavam a mulher na Rússia foram abolidas e o divórcio instituído. O aborto, embora não fosse incentivado, passou a ser livremente feito em hospitais e maternidades públicas. Instituiu também um sistema de bem-estar materno e infantil e o Comissariado do Povo foi também responsável por tratar das questões e das tarefas relacionadas com a libertação das mulheres na Rússia socialista. Abaixo, um fragmento do seu texto “Os Fundamentos Sociais da Questão Feminina”, de 1907: Em primeiro lugar, devemos perguntar se um movimento unitário apenas de mulheres é possível em uma sociedade baseada em antagonismos de classe. O fato de que as mulheres que participam no movimento de libertação não representam uma massa homogênea é óbvio para qualquer observador imparcial. O mundo das mulheres é dividido – como é a dos homens – em dois campos. Os interesses e as aspirações de um grupo de mulheres se aproximam à classe burguesa, enquanto o outro grupo tem ligações estreitas com o proletariado, e suas demandas para a libertação cobre uma solução completa para a questão das mulheres. Assim, embora ambos os lados sigam o tema geral de “liberação das mulheres”, os seus objetivos e interesses são diferentes. Cada um dos grupos parte inconscientemente dos interesses sua própria classe, o que dá um colorido específico de classe para os objetivos e tarefas definidas para si. Apesar das exigências aparentemente radicais feministas, não se deve perder de vista o fato de que as feministas não podem, devido à sua posição de classe, lutar pela transformação fundamental da estrutura econômica e social contemporânea, sem a qual a libertação das mulheres não pode ser concluída. Se em determinadas circunstâncias, as tarefas de curto prazo coincidem com os objetivos finais das mulheres das diferentes classes, no longo prazo, determinam a direção do movimento e as estratégias a serem seguidas são muito diferentes. Enquanto para as feministas alcançar a igualdade de direitos com os homens sob o atual mundo capitalista representa o suficiente, por si só, os direitos iguais no tempo presente para as mulheres proletárias, é apenas um meio para progressos na luta contra a escravidão econômica da classe trabalhadora. Feministas veem os homens como o inimigo principal, os homens que tomaram injustamente todos os direitos e privilégios para si, deixando as mulheres apenas cadeias e obrigações. Para elas, a vitória é ganha quando um privilégio desfrutado anteriormente exclusivamente pelo masculino é dado ao “sexo frágil”. Já as mulheres trabalhadoras têm uma visão diferente. Elas não veem os homens como o inimigo e opressor, no entanto, elas pensam nos homens como seus pares, que partilham com elas a monotonia da rotina diária e lutam com elas por um futuro melhor. A mulher e seu companheiro do sexo masculino são escravizados pelas mesmas condições sociais, pelas mesmas odiosas cadeias do capitalismo que oprimem as suas vontades e os privam das alegrias e encantos da vida. É certo que há vários aspectos específicos do sistema contemporâneo que são um duplo fardo sobre as mulheres, como também é verdade que as condições de trabalho dos salários às vezes convertem as mulheres trabalhadoras em competidoras e rivais dos homens. Mas nestas condições desfavoráveis, a classe trabalhadora sabe quem é o culpado. As mulheres trabalhadoras, não menos do que o seu irmão na adversidade, odeiam este insaciável monstro de face dourada em que a única preocupação é extrair toda a seiva de suas vítimas e que crescem à custa de milhões de vidas e se arremete com igual ganância sobre os homens, as mulheres e crianças. São milhares de tópicos para abordar sobre a classe trabalhadora. As aspirações da mulher burguesa, por outro lado, parecem estranhas e incompreensíveis. Antipático para o coração do proletariado, não prometem à proletária esse futuro brilhante para o qual viram-se os olhos de toda a humanidade explorada. O objetivo final das proletárias não impede, é claro, o desejo que têm de melhorar a sua situação no âmbito do sistema burguês existente. Mas a realização desses desejos é constantemente prejudicada por obstáculos decorrentes da própria natureza do capitalismo. Uma mulher pode ter direitos iguais e ser verdadeiramente livre apenas em um mundo onde o trabalho é socializado, harmônico e justo. As feministas não estão dispostas a entender isso e são incapazes de fazê-lo. Elas sentem que quando a igualdade é formalmente aceita pela letra da lei será capaz de conseguir um lugar confortável para elas no velho mundo de opressão, escravidão, servidão, lágrimas e dificuldades. E isso é verdade até certo ponto. Para a maioria das mulheres do proletariado, direitos iguais aos dos homens significa apenas uma parte igual da desigualdade, mas para as “poucas escolhidas”, para as mulheres burguesas, de fato, abre uma porta para novos direitos e privilégios que até agora só foram apreciados por homens de classe burguesa. Mas a cada nova concessão que a mulher burguesa consegue terá outra arma para explorar a mulher proletária e continuar a aumentar a divisão entre as mulheres dos dois campos sociais opostos. Os seus interesses se veriam mais claramente em conflito, as suas aspirações mais evidentemente em contradição.

MULHERES DO POVO: VIVAS, LIVRES E COMBATIVAS

Comunicado Nacional da FOB no 8 de Março Ser mulher trabalhadora em um mundo patriarcal e violento não é fácil. A superexploração e a violência contra as mulheres do povo são bases fundamentais de sustentação desse sistema capitalista, patriarcal e colonial. No Brasil, a desigualdade social brutal amplia as formas de a violência contra nossos corpos. Ser mulher aqui é ter que estar constantemente com medo de sofrer abusos sexuais, pois concentramos uma altíssima taxa de estupros, assistimos (e por vezes naturalizamos) a barbárie ao ver que aqui a cada 8 minutos uma companheira é violada. Nós, mulheres do povo, convivemos constantemente com notícias de conhecidas, familiares ou amigas que foram assassinadas, uma vez que nosso país ocupa o 5º lugar em feminicídios do mundo, com uma média de 1 feminicídio a cada 9 horas. Na pandemia da Covid-19, além do aumento no número de feminicídios e violência contra a mulher durante o período da quarentena, assistimos a dura e absurda realidade de sermos o país com maior número de morte de grávidas e puérperas do mundo. O Brasil é responsável por 77% das mortes de grávidas e puérperas por Covid-19 no mundo, segundo estudo da Revista Internacional de Ginecologia e Obstetrícia (IJGO, na sigla em inglês). Esses dados demonstram como o discurso sobre o direito à vida não passa de uma mentira no Brasil. O direito à vida não chega até nós, mulheres do povo, negras, indígenas, camponesas e faveladas. Vivemos porque cotidianamente lutamos pela vida, mas esse direito há muito nos foi negado. Das mulheres que morreram grávidas ou logo após o parto por Covid-19 – deixando seus filhos e filhas órfãos – 28% não chegaram sequer a dar entrada em uma UTI e 15% não receberam nenhuma modalidade de assistência ventilatória. O descaso com os trabalhadores na linha de frente da saúde é mais uma faceta da violência contra a mulher. Desde o início da pandemia, mais de um milhão de profissionais de saúde que trabalham na linha de frente nas Américas foram infectados pela doença, e quatro mil morreram, sendo a maioria mulheres. Não podemos ocultar que o capitalismo e, principalmente o avanço do modelo neoliberal, é diretamente responsável por essas mortes. A assistência às mulheres no serviço público é precária e a consequência disso é que quem mais vai morrer é justo as vítimas de sempre, mulheres negras e pobres. Para se ter uma ideia, a mortalidade materna em mulheres negras foi quase duas vezes maior do que a observada em mulheres brancas, isso sem contar as subnotificações, segundo um estudo da UFSC. NÓS, MÃES, GRITAMOS PELO DIREITO A VIDA! A hipocrisia do capitalismo brasileiro não tem limites. Vivemos em um país onde se naturaliza o controle dos corpos das mulheres proibindo o aborto através de um discurso falacioso de “direito à vida” do feto, mas que, por outro lado, pouco se importa com a vida das crianças que nascem. O direito à vida, assim como não existe para as mulheres, gestantes e puérperas pobres, tampouco é garantido para nossos filhos e filhas. Relembremos que a mortalidade infantil no Brasil é altíssima e atinge prioritariamente crianças indígenas (25,1%) e negras (27,8%), chegando em alguns estados como o Amapá, a mortalidade geral a 23%. Além da mortalidade infantil, sofremos diariamente com a brutalidade policial, o encarceramento em massa e o assassinato de crianças e adolescentes negros e pobres pelas mãos do Estado. A “bala perdida”, o “erro de um policial despreparado”, a prisão injusta, só atingem as nossas crianças e adolescentes nas periferias. Nos revoltamos por cada uma das 12 crianças assassinada pelas mãos do Estado no Rio de Janeiro em 2020. Lutaremos pela memória das mais de 2.215 crianças e adolescentes assassinadas pela polícia nos últimos 3 anos. Nós, mulheres do povo e lutadoras sindicalistas revolucionárias, nos solidarizamos com cada uma dessas mães que agora chora a morte ou a prisão de seus filhos e filhas. Que viram o Estado racista usurpando dessas crianças o seu direito à vida e a infância. Não deixaremos que o tempo apague a memória dessas vidas tão importantes e que foram tão precocemente roubadas. Não permitiremos mais que destruam nossas famílias. É por isso que lutamos contra os governos, o Estado e os patrões. Por nós, pelos nossos filhos, pelas nossas crianças, pelo direito de viver em paz! SEMEARAM MEDO, MAS COLHERÃO RESISTÊNCIA E REBELDIA Sabemos que nós mulheres somos a base de práticas seculares de apoio mútuo e suporte em comunidades trabalhadoras e pobres do Brasil. Nosso sangue e suor tem sido fundamentais para garantir a vida e a existência coletiva de nossa gente. Por isso, nós não pedimos ou imploramos por migalhas do sistema, nós exigimos nossos direitos justos e dignos. Nesse 8 de março, Dia Internacional das Mulheres Trabalhadoras, nós, lutadoras e lutadores do povo, organizadas e organizados na FOB, afirmamos: 1) Que a dor da perda de nossas irmãs, amigas, filhas e filhos não faça aumentar o medo, pelo contrário, que amplie nossa raiva e rebeldia convertida em desejo e ações para a mudança. Nós, mulheres lutadoras, temos a missão de tornar presentes as nossas companheiras e familiares ausentes. Gritar, visibilizar, lutar pelas nossas companheiras assassinadas, desaparecidas, violadas ou injustamente presas. Somos muitas Cláudias, Marianas, somos a criança de 10 anos estuprada pelo padrasto e coagida para manter a gravidez, somos, acima de tudo, aquelas que destruirão o sistema capitalista patriarcal e racista. 2) Nós lutaremos pelo direito à vida. Mas saibamos que este direito só será respeitado quando derrubarmos o Estado, o capital e a exploração machista que coloniza nosso corpo e nossa alma. Por isso, nós chamamos todas a retomar as práticas de autodefesa, que vão desde nos fortalecermos psicologicamente até criarmos redes de apoio para resistir e impedir toda forma de violência contra nós. Chamamos também todas as mulheres trabalhadoras do Brasil a aderir ao chamado da Greve Internacional de Mulheres que vem ocorrendo anualmente em diversos países como Chile, Argentina, México, Espanha e outros. Demonstraremos nossa força nos unindo, resgatando os métodos de luta combativa e provando que

HELENIRA PRETA, PRESENTE!

Hoje, 29 de setembro, fazemos memória da lutadora povo, guerrilheira do Araguaia e heroína da luta contra a ditadura empresarial-militar, Helenira Preta, assassinada brutalmente há 48 anos. Helenira Resende de Souza Nazareth, nascida em Cerqueira César, interior de São Paulo, em 19 de janeiro de 1944, filha do médico negro e comunista baiano Dr. Adalberto de Assis Nazareth, o “médico dos pobres”. Foi líder estudantil secundarista em Assis (SP), para onde sua família se mudou, e jogadora de basquete na cidade. Participou da JUC (Juventude Universitária Católica), depois da Ação Popular (AP) e posteriormente ingressou no Partido Comunista do Brasil (PCdoB). Preta, como era conhecida por seus amigos e familiares, foi uma destacada oradora e importante liderança do Movimento Estudantil no país, presidente do Centro Acadêmico de Letras da USP e vice-presidente da UNE. Helenira conheceu o gosto amargo da repressão a partir de 1967 sendo fichada como “ativa fanática em subversão e filha de um ativo comunista” pelo DOPS, foi novamente presa durante o 30º Congresso clandestino da UNE de 1968, em Ibiúna, e jurada de morte pelo sádico delegado Sérgio Fleury, figura máxima da repressão policial à resistência contra ditadura fascista. Entrou na clandestinidade, vivendo em várias partes do país até ir para o Araguaia. Usando o codinome Fátima, integrou do Destacamento A das Forças Guerrilheiras do Araguaia, as FOGUERA. Helenira fazia parte do grupo de guerrilheiros que foi emboscado pelas forças repressivas em 29 de setembro de 1972. Ferida no tiroteio e metralhada nas pernas, recusou-se a entregar a localização dos companheiros aos militares, foi torturada e morta a golpes de baioneta. Guerrilheira, alegre e destemida, até hoje não foram localizados seus restos mortais. 

Lições curdas sobre a libertação das mulheres

Recentemente, as mulheres curdas foram incluídas nas manchetes da mídia ocidental por seu papel no combate ao autointitulado Estado Islâmico (EI), especialmente na ocasião das operações de retomada de Raqqa, na Síria. As guerrilheiras curdas foram retratadas deste lado do mundo como heroínas da democracia e do combate ao terrorismo islâmico, a partir de uma narrativa orientalista que busca enquadrar sua agência política no universo dos valores liberais da contemporaneidade ocidental. Entretanto, essa abordagem não compreende os processos protagonizados por essas guerrilheiras, visto que as unidades de autodefesa feminina são apenas uma pequena parte da batalha dessas mulheres por sua vida e liberdade. Nas últimas décadas, a experiência do movimento radical de mulheres curdas produziu um projeto de libertação que é, em grande medida, crítico e até mesmo antagônico a elementos constitutivos do feminismo ocidental, tais como a democratização das instituições, o empoderamento feminino individual e a sororidade. Para compreender essas críticas e as alternativas teóricas e práticas propostas por elas, é necessário entender o contexto em que essas mulheres lutam: a revolução no noroeste do Curdistão. LIBERTANDO A DEMOCRACIA DO ESTADO Desde tempos imemoriais, os curdos resistem à exploração, guerras e genocídios. Trata-se de um povo cujo território foi retalhado e usurpado pela imposição das fronteiras de quatro Estados nacionais: Turquia, que ocupa o norte do Curdistão (Bakur), Síria à oeste (Rojava), Iraque ao sul (Basûr) e Irã ao leste (Rojhilat). Esses Estados têm promovido esforços de limpeza étnica visando a destruição da identidade curda, como deslocamentos forçados, proibição da língua, rituais e celebrações, perseguição às organizações e lideranças, confisco de terras e monumentos, renomeação de seus marcos históricos e geográficos tradicionais, além do genocídio que tem exterminado fisicamente milhares de curdos. Na primeira metade do século XX, os movimentos nacionalistas curdos travaram um profundo combate contra o colonialismo, reivindicando a criação de um Estado nacional para seu povo, demanda negada pelos tratados internacionais do Pós-Primeira Guerra Mundial. O fracasso da luta independentista e a perseguição imposta pelos Estados, estimularam a reorientação estratégica de uma das organizações políticas que atuava na luta armada pela libertação nacional do Curdistão, o Partido dos Trabalhadores do Curdistão (PKK), fundado em 1978 na Turquia. Seu novo projeto político e social, elaborado teoricamente por Abdullah Öcalan (encarcerado em isolamento na Turquia desde 1999), foi denominado confederalismo democrático e tem a libertação das mulheres como um de seus eixos fundamentais. O confederalismo democrático se tornou o paradigma adotado pelos movimentos curdos radicais nas regiões de Bakur e Rojava [1], que deixaram de promover uma luta de libertação nacional com o objetivo de criação de um Estado independente, e passaram a se dedicar à construção de uma nação democrática que se autogoverna. Nessa perspectiva, o sistema estatal é substituído por um sistema democrático do povo sem Estado. Ao rejeitar o nacionalismo e o poder estatal, o confederalismo democrático curdo promove uma experiência anticapitalista, antiestatista e antipatriarcal.No contexto da Guerra Civil na Síria, o enfraquecimento das tropas de Assad no norte do país ofereceu a oportunidade para que a população do Curdistão sírio efetivasse seu projeto de autodeterminação, iniciando sua revolução em 2012. Na época, 2 milhões e meio de pessoas vivam na região. Em 2014, é publicada a constituição federativa e autônoma de Rojava. Rojava é composta por 3 cantões autônomos e confederados, Cizîri, Kobanî e Afrin. A organização nesses territórios ocorre a partir de um sistema de conselhos populares, cuja unidade mais fundamental são as comunas, instâncias deliberativas de bairros ou vilas de até 400 famílias, que funcionam em um sistema assembleário em regime de democracia direta, em que todos tem direito à voz e voto. As comunas deliberam e executam medidas políticas, econômicas, educacionais e de segurança relativas ao seu local de moradia. As comunas enviam representantes para os conselhos de bairros e aldeias, que representam até 30 comunas e elegem representantes para os conselhos distritais, que tem jurisdição sobre cidades inteiras. O conselho superior da região de Rojava é o Conselho Popular do Curdistão (MGRK), em que participam delegados dos três cantões. Ao lado das instâncias deliberativas, existem as instâncias executivas, algo parecido com um parlamento, as Administrações Autônomas Democráticas. Estruturas análogas existem em Bakur (norte do Curdistão, região atualmente ocupada pela Turquia). Nessa organização, o poder é descentralizado e emana da esfera local. Cada cantão estabelece suas instituições e milícias com completa autonomia e os princípios para sua confederação são a livre associação e a solidariedade. As escolhas de representação nas instâncias respeitam critérios de proporcionalidade de etnia (10% para minorias étnicas e religiosas) e gênero (40% de mulheres). A coexistência pacífica e colaborativa entre diferentes etnias e religiões é baseada no princípio do pluralismo radical, que garante a autonomia organizativa e representação a todos. Há ainda o critério de coliderança – todas as reuniões, comitês e órgãos são presididos conjuntamente por um homem e uma mulher. Em todos os níveis, existem as instâncias exclusivamente femininas, que tem poder de veto sobre as deliberações das instâncias gerais. Nas regiões autônomas, a população local é incentivada a se dedicar à agricultura e pecuária, atividades historicamente reprimidas pelos regimes estatais para forçar a dependência e vulnerabilidade dos curdos. O sistema de economia popular se baseia no trabalho coletivo e cooperativado, na abolição da propriedade privada da terra e infraestruturas, na gestão dos trabalhadores e no manejo ecológico. Existem diversas cooperativas de trabalhadoras, com a perspectiva de restaurar a capacidade produtiva das mulheres e garantir sua independência econômica a partir do controle sobre os produtos do trabalho. AUTODEFESA NA SOCIEDADE CONFEDERALISTA DEMOCRÁTICA Não se pode ignorar que esse projeto luta para se afirmar em um cenário de guerra. Como resultado da retirada parcial das tropas dos EUA/Coalização e da operação Fonte de Paz, quando tropas turcas avançaram sobre território sírio e conseguiram romper a continuidade territorial de Rojava (em 06 e 09 de outubro, respectivamente), se intensificaram os ataques das chamadas células “dormentes” do Estado Islâmico. Agora, seus atentados são especificamente direcionados à membros da Administração Autônoma ou das forças de defesa curdas. Os