Cherán K´eri, autogoverno e exemplo para os povos

No último dia 15 de abril, o autogoverno popular-indígena de Cherán K’eri, município do planalto purhépecha no estado de Michoacán, no México, celebrou os 10 anos do levante armado que libertou a cidade, expulsou o crime organizado, a polícia e os partidos políticos institucionais, dando origem ao autogoverno local baseado em conselhos comunitários de decisão coletiva, que funcionam segundo os próprios usos e costumes do povo purhépecha.   Em 2011, em um processo de libertação dirigido pelas mulheres indígenas, os cerca de 20 mil habitantes se ergueram contra os cartéis do crime organizado e as autoridades locais cúmplices do corte clandestino de árvores, da devastação dos bosques e dos assassinatos e sequestros pelo narcotráfico. Caminhões usados para o transporte de madeira foram incendiados, barricadas levantadas nas entradas da cidade, e o presidente municipal do PRI, cargo equivalente ao de prefeito, foi expulso da cidade, com o Palácio Municipal sendo ocupado pelo povo em armas. A assembleia comunitária para as discussões e decisões coletivas deu origem ao Concejo Mayor de Gobierno de Cherán K’eri, organismo de autogestão local que coordena 8 conselhos populares e administra as quatro zonas de Cherán. A Ronda Comunitária, formada por homens e mulheres, é o organismo de autodefesa popular, que funciona como uma polícia comunitária e patrulha os bairros da cidade purhépecha. Um organismo de justiça popular também foi instalado para julgar crimes locais, que se relacionam principalmente com o abuso de álcool. Os níveis de violência foram quase reduzidos à zero nesse período de autogoverno. Em fevereiro de 2012, o povo de Cherán apelando para leis internacionais conseguiu o direito legal na justiça mexicana à autodeterminação social e política, sendo o primeiro município autogovernado legalmente e reconhecido no México, inspirando outros povos indígenas do país. A conquista de Cherán como “município indígena”, assim como, a legalidade do seu governo comunitário a partir dos “usos e costumes”, está baseada nos artigos 5 e 6 do Convênio 169 da OIT, ratificado no México em 1990, assim como nos artigos 18 e 19 da Declaração das Nações Unidas sobre os Diretos dos Povos Indígenas, assinada em 2007. As mesmas fogueiras que foram instaladas no levante de 15 de abril de 2011 nas rotas dos caminhões dos talamontes (como são chamados os madeireiros ilegais ligados ao narcotráfico), continuam servindo hoje, 10 anos depois, como pontos de reuniões comunitárias onde ocorrem as assembleias de bairro, se tratam dos problemas locais e se decidem os representantes perante outras instâncias. Simbolizam também o “deus do fogo”, principal entidade espiritual dentro da cosmovisão purhépecha. A gestão eleita para o período de 2018-2021 do Concejo Mayor de Gobierno organizou neste mês de abril de 2021 uma grande programação de atividades para celebrar os 10 anos de autogoverno comunitário de Cherán. Durante a pandemia de Covid-19 os conselhos comunais organizaram também campanhas de saúde e prevenção. Cherán K’éri, a partir de seu autogoverno popular-indígena, da defesa do meio ambiente, do protagonismo das mulheres, da valorização da ancestralidade e dos organismos comunitários de autodefesa e justiça popular, representa hoje a esperança dos povos em decidir o próprio destino e o exemplo de autogestão e autodeterminação. Cherán, após 10 anos, segue resistindo e em alerta contra os cartéis que atuam em dos municípios próximos, apontando o caminho da libertação.     

Homenagem ao revolucionário Felipe Quispe, El Mallku

Nessa quinta-feira, dia 21 de janeiro, foi sepultado com grandes manifestações de apreço e comoção popular, umas das figuras mais extraordinárias mas também menos conhecidas da história recente da América Latina. Felipe Quispe Huanca, “El Mallku”, foi o mais emblemático dirigente indígena do país e morreu na terça-feira (19/01) aos 78 anos na enorme periferia de El Alto, bastião da luta indígena e popular na Bolívia. El Mallku, como ficou conhecido, é o termo aymara que significa “O Condor”, um título dado às lideranças máximas reconhecidas pelo povo no altiplano boliviano. Quispe, indígena aymara, nasceu numa pequena cidade próxima a La Paz e logo se envolveu nas lutas do país. Foi fundador em 1978 do Movimiento Indígena Túpac Katari, no qual se formaram vários combatentes do Ejército Guerrillero Túpac Katari (criado em 1986), e do qual fez parte inclusive o ex-vice-presidente de Evo Morales, Álvaro García Linera. Quispe teve que se exilar depois do violento golpe de Estado do general narcotraficante García Meza em 1980, e passou por diversos países latino-americanos, tendo atuado inclusive nas guerrilhas da Frente Farabundo Martí em El Salvador e do Ejército Guerrillero de los Pobres na Guatemala. De volta à Bolívia em 1983, passou a defender abertamente a luta armada como caminho de luta para os indígenas, camponeses e trabalhadores, ao mesmo tempo que atuava nas grandes organizações sindicais do país, como a Confederación Sindical Única de Trabajadores Campesinos de Bolivia (CSUTCB), a principal organização dos povos indígenas bolivianos na época. Foi preso em 1988 e depois em 1992, e mesmo na prisão formou-se historiador pela Universidad Mayor de San Andrés. Ao ser libertado em 1998, foi eleito secretário executivo da CSUTCB. Destacou-se nas grandes mobilizações indígenas e populares do final dos anos 1990 e início dos 2000, inclusive nas célebres Guerras da Água e do Gás. Sua figura combativa estava sempre presente nos bloqueios e barricadas. Foi oposição à esquerda a Morales e Linera, mas esteve novamente à frente nos protestos de rua contra o golpe de Estado fascista dos militares e da presidente fantoche Jeanine Áñez em 2019. FELIPE QUISPE “EL MALLKU”, PRESENTE!