Núcleo de Estudos Guevaristas: laboratório político-teórico

Neste 14 de junho, data que marca a memória dos 95 anos de nascimento do Comandante Ernesto Guevara de La Serna em Rosário, na Argentina, anunciamos com entusiasmo o início das atividades do Núcleo de Estudos Guevaristas, um laboratório político-teórico de estudos e pesquisas sobre o guevarismo e as lutas revolucionárias na América Latina. Afirmar a importância e a atualidade da estratégia guevarista é afirmar a vigência do marxismo revolucionário latino-americano, da guerra revolucionária como caminho de libertação dos povos e de um projeto socialista para nosso continente. O Núcleo de Estudos Guevaristas é uma iniciativa da Casa da Resistência, do Editorial Adandé e do Movimento de Unidade Popular que tem como objetivo principal fomentar, a partir do guevarismo, o debate estratégico sobre a Revolução Brasileira e a construção de uma corrente revolucionária no país. Além de promover iniciativas editoriais como a Coleção Guevarismo e a Revista Bacuri, o Núcleo de Estudos Guevaristas se dedica ao estudo e a pesquisa da estratégia guevarista a partir de temas como a Revolução Cubana de 1959, dirigida pelo Movimiento 26 de Julio, a Rebelião Simba de 1964, na República Democrática do Congo, as experiências internacionalistas da Organização de Solidariedade aos Povos da África, Ásia e América Latina (OSPAAAL) de 1966 e da Organização Latino-Americana de Solidariedade (OLAS) de 1967, além da Guerrilha de Ñancahuazú com o ELN na Bolívia (1966-67). A permanência da estratégia guevarista na América Latina, em iniciativas como a Junta de Coordenação Revolucionária (JCR) que em 1972 reuniu o PRT-ERP, o MIR chileno, o MLN-Tupamaros e o ELN ou o Batalhão América, que coordenou o M-19, o Movimiento Armado Quintín Lame, o MRTA do Peru e a guerrilha equatoriana Alfaro Vive ¡Carajo! em 1986, até movimentos insurgentes atuais como o ELN da Colômbia e o Exército do Povo Paraguaio (EPP), são alguns dos temas fundamentais para a construção revolucionária que o Núcleo de Estudos Guevaristas assume como missão. CHE VIVE E VENCERÁ!

Apresentação e chamada da Revista Bacuri

O Comandante Bacuri completaria 80 anos em 2025. Eduardo Collen Leite, nascido em 28 de agosto de 1945, foi um guerrilheiro operário que comandou importantes ações da luta armada contra a ditadura militar fascista, fundador da Vanguarda Popular Revolucionária (VPR) e da Resistência Democrática (REDE), organização que se integrou à Ação Libertadora Nacional (ALN) através da Frente Armada Revolucionária, foi assassinado em 8 de dezembro de 1970, após ser brutalmente torturado por 109 dias. Nossa revista, que orgulhosamente carrega o nome do Comandante Bacuri, é uma publicação de teoria, política e história com caráter militante e não acadêmico, que tem como objetivo principal propor, debater e fomentar, a partir de uma linha editorial socialista, anticolonial e anti-imperialista, a atualidade da estratégia para a Revolução Brasileira, dialogando com as experiências revolucionárias de nosso continente e dos povos do mundo, resgatando também o debate e a memória das organizações da esquerda armada brasileira. Com periodicidade semestral, em edição impressa e versão digital, a Revista Bacuri se propõe a ser um instrumento de formação política e propaganda revolucionária, que visa reunir militantes, pesquisadores, movimentos e organizações afins ao nosso projeto identificado principalmente com o marxismo revolucionário, as lutas anticoloniais e os movimentos insurgentes em nosso continente, assumindo também uma função organizativa como espaço de diálogo e construção teórica, com o objetivo de avançar na formação de uma rede solidária de militantes e organizações revolucionárias no Brasil. Organizada pelo Editorial Adandé e convidados/as, com coedição do Núcleo de Estudos Guevaristas, a primeira edição da Revista Bacuri, com capa ainda provisória, tem lançamento previsto para agosto de 2025, tendo como tema central a experiência de unidade da Frente Armada Revolucionária e o debate sobre a atualidade da Revolução Brasileira, seguindo aberta à participação, envio de artigos e colaboração de militantes, pesquisadores, coletivos e organizações. CHAMADA PARA A PRIMEIRA EDIÇÃO Diferentemente dos modelos de chamadas públicas ou editais de periódicos acadêmicos, fazemos um convite aberto para participação na revista destinado a militantes, pesquisadores, movimentos e organizações seguindo critérios simples de publicação e a concordância com nossa política editorial. Nessa primeira edição da Revista Bacuri, com lançamento para o início de dezembro, podem ser enviados artigos, resenhas de livros ou trabalhos gráficos e fotográficos até o dia 7 de julho de 2025. Critérios de publicação: — Artigos dentro da temática da edição com 2 a 6 laudas, que devem ter linguagem simples e formato não acadêmico, evitando excessos de notas de rodapé e citações de autores ou necessidade de bibliografia, com obras e autores devendo constar no próprio corpo do texto. — A temática da primeira edição da Revista Bacuri abrange questões como a resistência armada contra a ditadura militar fascista no Brasil, debates sobre a realidade brasileira, marxismo revolucionário, anticolonialismo, anti-imperialismo, América Latina e sul global. — Além dos textos que entrarão na primeira edição, podem ser enviados artigos em qualquer data para publicação no site, seguindo as mesmas indicações de produção textual e as seções da revista impressa. — As seções da Revista para as quais podem ser enviadas contribuições incluem Memória, com biografias curtas de militantes, organizações revolucionárias e lutas insurgentes; Realidade Brasileira, onde podem ser feitas análises históricas ou conjunturais de aspectos da nossa realidade; Documentos Históricos, podendo ser enviados documentos recuperados e pesquisas históricas temáticas; em Literatura Revolucionária são bem-vindos contos, ensaios, crônicas e poemas; em Resenhas, podem ser enviadas resenhas críticas ou apresentações de livros, e em Internacionalismo, cabem análises históricas ou conjunturais de temas internacionais. COMANDANTE BACURI, VIVE E VENCERÁ! Contatos em revistabacuri@editorialadande.com

Presidente Fred, o messias pantera

No início do ano letivo no campus leste da Escola Secundária Proviso, um colégio com maioria de estudantes negros em Maywood, nas proximidades de Chicago, em Illinois (EUA), os professores reúnem os novos alunos e contam a história do mais célebre personagem histórico daquela comunidade e antigo aluno da escola, o revolucionário Frederick Allen Hampton. Fred Hampton nasceu em Summit, um subúrbio no condado de Cook a sudoeste de Chicago, em 30 de agosto de 1948, sendo o filho mais novo de três irmãos do casal Francis Allen e Iberia Hampton. Os Hampton haviam migrado da Louisiana nos anos 1930 e se estabelecido em Argo, nos arredores de Chicago, onde começaram a trabalhar na indústria do milho. Foi na Corn Products Refining Company que conheceram a família Till, e Iberia Hampton com Fred ainda bebê passou tomar conta também do filho de sua amiga Mamie Till, o jovem Emmett Louis Till. Nos anos 1950, os Hampton se mudam para Blue Island antes de se estabelecerem finalmente em Maywood, em 1958, e Mamie Till e o jovem Emmett seguem para o sul de Chicago. Emmett é enviado para a casa de um tio no Mississippi, na pequena cidade de Money, no condado de Montgomery. Em 28 de agosto de 1955, com apenas 14 anos de idade, Emmett Louis seria brutalmente assassinado por brancos racistas, após ser acusado de assobiar para uma mulher branca dentro de um mercado. O jovem Emmett seria sequestrado da casa de seu tio, o reverendo Moses Wright, levado para um galpão nas proximidades da cidade, onde foi espancado e teve seu olho arrancado, antes de ser covardemente morto a tiros, tendo seu corpo jogado no rio Tallahatchie e encontrado dias depois. Os dois assassinos racistas foram absolvidos e o caso de Emmett Till provocou a indignação e a revolta no povo negro em todo o país, servindo de catalisador para o Movimento dos Direitos Civis. Fred Hampton, ainda criança, teria seu primeiro contato com a luta de libertação negra nos EUA quando sua família participa dos protestos e boicotes, liderados por Luther King e Rosa Parks, contra o assassinato daquele jovem que foi criado com ele por sua mãe.        O jovem Fred demonstrava desde muito novo o carisma e um espírito de liderança nato que marcariam sua trajetória política. Na Escola Primária Irving, foi capitão dos “Patrol Boys”, que ajudavam outros estudantes a atravessarem em segurança as ruas nos arredores da escola. Quando se transferiu para o campus leste da Escola Secundária Proviso, integrou o Interracial Cross Section Committee, um grupo interracial de jovens antirracistas, e se tornou também presidente do Junior Achievement Program, uma organização que apoiava o desenvolvimento econômico comunitário. Nesse período, Fred lidera vitoriosos protestos contra as condições racistas do colégio, pela implementação da história afro-americana na grade curricular e organiza manifestações contra a prisão injusta e racista de um de seus colegas, Eugene Moore. Após se formar com honras no ensino médio, em 1966, Fred se matricula no programa de direito da faculdade comunitária Triton College, pois pretendia ser advogado e usar a profissão para combater a brutalidade policial. Em 1967, Hampton seria recrutado por Don Williams, presidente local da NAACP, a Associação Nacional para o Progresso das Pessoas de Cor, passando a ser presidente do conselho juvenil local da organização.    Enquanto Fred desenvolve e radicaliza sua militância, chegando a ser preso em setembro de 1967 acusado de incitar o tumulto e uma agressão contra um policial, após liderar um movimento contra a segregação nas piscinas públicas e locais de lazer em Maywood, o Partido Pantera Negra (BPP, na sigla em inglês), que havia sido fundado por Bobby Seale e Huey P. Newton em 15 de outubro de 1966, ainda com o nome de Partido do Pantera Negra para Autodefesa na Baía de São Francisco, na Califórnia, vai ganhando força e se espalhando pelos EUA. A organização, que apresenta seu Programa de Dez Pontos e adota a pantera preta como símbolo, se destaca no processo de radicalização da luta negra nos EUA na segunda metade dos anos 1960, período que seria profundamente marcado por dezenas de levantes populares e rebeliões negras pelo país, assim como, pelos assassinatos de Malcolm X, então líder da Organização da Unidade Afro-Americana (OAAU) após sua ruptura com a Nação do Islã (NOI), em 21 de fevereiro 1965, e do reverendo Martin Luther King Jr. (MLK), em 4 de abril de 1968, líder da Conferência da Liderança Cristã do Sul (SCLC) e a mais importante figura pública do Movimento dos Direitos Civis. O Partido Pantera Negra, que irá se inscrever com uma das principais referências na longa tradição radical negra dos EUA até sua extinção no início dos anos 1980, realiza suas primeiras ações em Oakland, na Califórnia, através de patrulhas armadas, portando também as leis locais e câmeras, para acompanhar e intimidar a violência racista e a brutalidade policial nos bairros negros de São Francisco. Tendo Bobby Seale como Presidente e Huey P. Newton como Ministro da Defesa, principal teórico e figura pública da organização, o BBP abre seu primeiro escritório em janeiro de 1967 e recebe importantes adesões, como de David Hilliard, que se tornaria dirigente nacional e Chefe de Gabinete, e de Eldridge Cleaver, escritor que havia sido companheiro de Malcolm X na OAAU e assume a condição de Ministro da Informação. Os panteras negras se expandem na Califórnia e logo começam receber adesões em outros estados, principalmente após o episódio da “invasão de Sacramento”, quando uma caravana de panteras armados se dirige até Sacramento, capital da Califórnia, para protestar contra a aprovação da “Lei Mulford”, ocupando a Assembleia Legislativa estadual. Defendendo uma linha revolucionária para a luta de libertação negra, usando uma estética própria e exibindo armas ostensivamente, além de desenvolver um importante conjunto de programas comunitários, o partido transmite uma imagem de poder e ousadia, causando um grande impacto na comunidade negra, mas também provocando o ódio da mídia racista, de políticos conservadores e da repressão que em junho de 1967 cria o ilegal COINTELPRO, programa de contrainteligência

Pela senda revolucionária de Carlos Lamarca

Publicado originalmente como apresentação do livro “Lamarca – Ousar Lutar, Ousar Vencer” (220 págs; 2021), do Editorial Adandé. A Operação Pajussara organizada pelo Destacamento de Operações e Informações – Centro de Operações e Defesa Interna, o famigerado DOI-CODI, envolveu gastos declarados que em valores atuais somariam um montante de cerca de 900 mil reais. Acompanhada de perto pelos organismos do imperialismo norte-americano no país, as duas fases da operação contaram oficialmente com a participação de 215 militares e policiais da Bahia, Guanabara, Pernambuco e São Paulo, tinha a participação direta do sanguinário delegado Sérgio Paranhos Fleury e teve como comandante o major Nilton de Albuquerque Cerqueira. As equipes formadas pela repressão foram batizadas com nomes como Lobo, Leão, Tigre, Onça e Águia. Atuaram também, além do IV Exército e a 6ª Região Militar, os serviços de informação da Aeronáutica (CISA), do Exército (CIE) e da Marinha (Cenimar), o Primeiro Esquadrão Aeroterrestre de Salvamento (Para-Sar), alguns DOPS estaduais e três grandes empresas tiveram envolvimento direto nas operações de repressão, a Companhia de Mineração Boquira, a Petrobras e a TransMinas, que enviaram pessoal, veículos e aeronaves. Todo esse aparato tinha como objetivo liquidar o Movimento Revolucionário 8 de Outubro, o MR-8, pôr fim a sua tentativa de instalar áreas de guerrilha rural na Bahia, caçar e assassinar o mais importante comandante guerrilheiro e que havia assumido a condição de principal inimigo público da ditadura militar fascista no Brasil em 1970, o ex-capitão do Exército brasileiro, Carlos Lamarca. Segundo o relatório produzido pelo Ministério do Exército, a operação tinha como função central “destruir o mito representado por Lamarca”, pois a adesão de um militar exemplar à luta armada contra o regime era um exemplo que assombrava os generais serviçais do imperialismo. Com grande cobertura sensacionalista da mídia burguesa, a ditadura realizou na região de Brotas de Macaúbas um verdadeiro massacre de camponeses, com bombardeios em povoados, helicópteros e torturas de pessoas acusadas de colaborar com os guerrilheiros, sendo parte delas amarradas em uma cruz improvisada no campo de futebol do povoado de Buriti Cristalino.  A figura histórica de Lamarca ainda desperta paixões mesmo passado meio século de seu assassinato. O menino franzino criado na zona central do Rio de Janeiro e que quase morreu de uma pneumonia dupla quando criança é um herói do povo brasileiro com uma importante memória viva no país. O dia 17 de setembro é sempre marcado em Brotas de Macaúbas e Ipupiara por um feriado local, quando também se realiza anualmente uma procissão até o Memorial dos Mártires homenageando os guerrilheiros e camponeses mortos. Lamarca figura entre os maiores ícones da luta armada revolucionária na América Latina, é reivindicado, contraditoriamente, pela mesma esquerda reformista e covarde à qual combateu firmemente, e ainda desperta o ódio tenaz de fascistas e militares saudosistas da ditadura, sendo o principal personagem de uma das mentiras recorrentes do ex-deputado corrupto e miliciano que assumiu a presidência do Brasil em 2019. Segundo Jair Bolsonaro, em um de seus delírios mitomaníacos, ele próprio teria, com apenas 15 anos de idade e morando em Eldorado Paulista (SP), ajudado militares na caçada a Lamarca durante o gigantesco cerco aos guerrilheiros da Vanguarda Popular Revolucionária, a VPR, no campo de treinamento do Vale do Ribeira. O homem assassinado covardemente aos 33 anos, em uma sexta-feira às 15:40h, enquanto tentava se recuperar à sombra de uma baraúna nas caatingas do povoado de Pintada, após 21 dias de perseguição no sertão baiano e cujo corpo caído foi eternizado em fotografia ao lado do seu companheiro da última batalha, Zequinha Barreto, era o terceiro filho do sapateiro Antônio Lamarca com a dona de casa Gertrudes da Conceição. Carlos Lamarca nasceu em 27 de outubro de 1937, foi criado no Morro de São Carlos, no Estácio, na então capital federal, com mais 5 irmãos. Sua politização tem raízes nas influências anarquistas de seu avô, imigrante italiano que passou a profissão de sapateiro para seu pai, Antônio. Apelidado de “Careca” pelos colegas de infância, o pequeno Carlos Lamarca se destacou nas escolas onde estudou, fazendo o primário na Escola Canadá e o ginasial no colégio de padres Instituto Arcoverde. Ainda adolescente participa das manifestações de rua durante a campanha nacionalista O Petróleo é Nosso. Em abril de 1955, após tentativas frustradas em Campinas e Fortaleza, Lamarca consegue ingressar na Escola Preparatória de Cadetes de Porto Alegre, sendo motivo de orgulho para sua pobre família carioca. Em 1957, transfere-se para a Academia Militar das Agulhas Negras, em Resende (RJ). Nesse período uma célula clandestina do PCB que atuava no meio militar inseria panfletos do Partidão e o jornal Voz Operária entre os travesseiros e lençóis dos cadetes. Lamarca passa a ser simpatizante e chega a solicitar sua entrada no PCB, recuando após conselhos de companheiros. Em 1959, se casaria secretamente com Maria Pavan, sua irmã de criação e que já esperava o primeiro filho do casal. É nesse contexto que Lamarca começa a se interessar pela leitura de autores marxistas e de livros como “Guerra e Paz”, do escritor russo Liev Tolstói (1828-1910). Com um perfil reservado e muito disciplinado, esteve nos EUA e no México com bolsas de estudos e conheceu boa parte do Brasil servindo ao Exército. Após três anos de estudos e treinamentos militares intensos tem a primeira promoção da carreira, sendo declarado como aspirante-a-oficial em dezembro de 1960 e designado para o 4º Regimento de Infantaria, em Quitaúna, Osasco (SP). No ano seguinte passaria à condição de segundo-tenente. Em 1962, Lamarca é convocado para servir no 11º Contingente das tropas brasileiras que integraram o Batalhão Suez nas Forças de Paz da ONU, atuando na região de Gaza, na Palestina, após a invasão da Península do Sinai por Israel com o apoio dos governos francês e britânico, em retaliação à nacionalização do Canal de Suez feita pelo presidente do Egito, o socialista árabe Gamal Abdel Násser. Permaneceu 18 meses no Oriente Médio, de onde retornou em 1963 impactado com a pobreza e a realidade cruel a que estavam submetidos os povos árabes, afirmando que

MÁRIO ALVES, REVOLUCIONÁRIO

Mário Alves de Souza Vieira, comunista revolucionário baiano e fundador do PCBR, foi barbaramente assassinado em 17 de janeiro de 1970 pela ditadura militar fascista. Mário Alves nasceu em Sento Sé e logo mudou-se com a família para Salvador. Talentoso jornalista e militante dedicado, iniciou sua trajetória no PCB muito cedo, aos 16 anos. Foi eleito para a direção estadual do PCB da Bahia com 22 anos e depois para o Comitê Central, dirigiu as publicações mais importantes do Partidão e fez parte da sua Comissão Executiva. Mário, que visitou a República Popular da China e fez especialização na Escola de Leninismo na URSS, em 1961, seria o primeiro comunista brasileiro a visitar e levar solidariedade para a Cuba revolucionária. A partir do golpe de 1964 Mário Alves liderou com outro baiano, Carlos Marighella, a oposição interna ao reformismo e pacifismo da direção do PCB, articulando a Corrente Revolucionária, da qual participavam também dirigentes como Jacob Gorender e Apolônio Carvalho. Em abril de 1968, após infrutíferos diálogos com Marighella e com o PCdoB, fundam o Partido Comunista Brasileiro Revolucionário (PCBR), sendo Mário eleito seu primeiro Secretário-Geral. O PCBR fez parte da chamada “Frente Armada” com a ALN, a VPR, o MR-8 e o MRT, coordenando ações de propaganda armada contra o regime dos generais. Mário Alves foi sequestrado pela repressão no Rio de Janeiro e levado ao quartel da Polícia do Exército (PE) no dia 16 de janeiro de 1970, aos 46 anos. Segundo sua companheira, Dilma Borges Vieira, que empreendeu uma grande peregrinação para obter informações sobre o paradeiro do marido, Mário foi “espancado barbaramente de noite, empalado com um cassetete dentado, o corpo todo esfolado por escova de arame, por se recusar a prestar informações exigidas pelos torturadores do 1° Exército e do DOPS”. No amanhecer de 17 de janeiro de 1970, Mário Alves Vieira, um dos mais importantes comunistas brasileiros, com uma vida intensamente dedicada a causa revolucionária, estava morto nas dependências do DOI-CODI do Rio de Janeiro. MÁRIO ALVES, VIVE E VENCERÁ!  Verbete da #AgendaInsurgente do Editorial Adandé.

COMANDANTE CLEMENTE, VIVE E LUTA!

Em 29 de junho de 2019, há dois anos, o saudoso Carlos Eugênio da Paz, nosso Comandante Clemente, nos deixava. Clemente assumiu o comando militar da Ação Libertadora Nacional, a ALN, e fez parte de sua Coordenação Nacional, após o assassinato pela ditadura militar fascista do Comandante Toledo, o Velho, Joaquim Câmara Ferreira, em 23 de outubro de 1970. Com apenas 20 anos, Carlos Eugênio, juntamente com Ana Maria Nacinovic, Paulo de Tarso Celestino, Iuri Xavier Pereira, José Luiz da Cunha, o Comandante Crioulo, e tantos outros homens e mulheres do povo, combatentes da libertação popular formaram a última geração de guerrilheiros da ALN, fundada por Carlos Marighella e a mais importante organização revolucionária que combateu a ditadura empresarial-militar. Sentenciado a 124 anos de prisão pela ditadura e o mais procurado guerrilheiro da última fase da luta armada contra o regime fascista dos generais, o Comandante Clemente, foi retirado do país pela organização, saindo pela Argentina e Cuba, até se exiliar em Paris a partir de 1973/74, conseguindo sua anistia política apenas em 1982. Escreveu dois importantes livros de memórias da luta revolucionária no Brasil: “Viagem à luta armada” (1996) e “Nas trilhas da ALN” (1997). Através de seus depoimentos, generosidade e combatividade fez a ponte entre a geração de revolucionários da ALN e a geração atual. Em sua homenagem publicamos o texto inédito da Ação Libertadora Nacional, que traz um balanço das ações da ALN sob o comando militar de Carlos Eugênio da Paz, publicado no jornal O Guerrilheiro nº 4, de janeiro de 1972: FORTALECER A NOSSA DECISÃO – UM BALANÇO Janeiro de 1972* Estamos cumprindo pouco mais de um ano do assassinato de Toledo, fato que tornou maiores e mais difíceis as responsabilidades assumidas e as tarefas a realizar. Qual era a situação naquela época? A que nos propúnhamos então? O ano de 1970 havia sido, para o movimento revolucionário em geral e para a Organização em particular, um ano da atividade intensa e de pouco desenvolvimento. Com a morte de Marighella e os golpes sucessivos que sofremos naquele período, o inimigo conseguiu tomar e manter a iniciativa, atingindo-nos duramente e evitando que pudéssemos desencadear as ações rurais. Assim, 1970 deveria ser um ano de reconstrução e de reorganização, tarefa difícil em virtude das condições de refluxo e confusão que enfrentávamos. O número de ações reduziu-se consideravelmente, ficando em sua maior parte restritas a São Paulo e possuindo um caráter eminentemente financeiro. A imprensa clandestina praticamente inexistiu, a distribuição de materiais e seu debate foram limitados, a atividade e a penetração política da Organização nas diversas áreas foi muito escassa. Mesmo assim, sob o comando de Toledo, fomos enfrentando tal quadro, buscando cumprir o fundamental de nossas perspectivas, de reorganização e estabilidade da Organização. Mas a morte deste dirigente revolucionário provado e respeitado, líder indiscutível, veio agravar as condições que tínhamos de cumprir estas tarefas. Qual era o quadro que então enfrentávamos? De um lado, sob a orientação de Toledo, vínhamos superando uma série de dificuldades decorrentes da morte de Marighella. As quedas desse período, somadas as do início do ano, criavam uma situação de dispersão e a falta de uma atividade planejada e centralizada. Rompe-se o elo da frente urbana e rural, com todas as consequências disso. Manifestavam-se desvios de todo o tipo (liquidacionismo em relação à luta urbana, visão deformada da luta rural, abandono do trabalho político, etc.). Firme e pacientemente, Toledo dirigia o trabalho de reconstrução da Organização em todos os sentidos: recontata setores e áreas, orienta a abertura de frentes de trabalho político, efetua deslocamentos, organiza, coordena, planeja. Sua direção vai se fazendo sentir principalmente no terreno político: importantes passos se dão no sentido de uma maior aproximação entre as forças revolucionárias, com várias iniciativas concretas, ações conjuntas, etc. No documento “ALN, balanço e perspectivas”, indica as diretrizes fundamentais para nossa atuação, desenvolve novos critérios e sistemas de organização, adequados às novas condições, com base no combate aos desvios, e consolida-se a unidade da Organização. Retoma-se o trabalho rural, já dentro de um planejamento. Na Guanabara, em agosto, havíamos sido vítimas de infiltração, perdemos alguns quadros valiosos e também as condições operacionais. Em setembro, a Organização no Nordeste havia sido golpeada e dispersada, estávamos sem contato com a região. Em Minas possuíamos reduzida penetração e não tínhamos condições para a realização de ações. Em São Paulo ainda nos ressentíamos dos profundos golpes recebidos em 69 e 70. Apesar de ali serem melhores as condições operacionais, a infraestrutura abrangia um número reduzido de setores e a penetração da Organização estava debilitada. Portanto, ao encararmos então o ano de 1971, difíceis se afiguravam os objetivos a atingir, enormes dificuldades a vencer. Hoje, dando um balanço de nossas atividades, os avanços que conquistamos são inegáveis e evidentes os resultados obtidos. A melhor maneira de expressarmos esse avanço, ao resumirmos nossa atuação em 1971, é enumerar de forma sumária o volume de ações desenvolvidas – expressão aberta da existência da ALN (sendo, portanto, do conhecimento do inimigo, sem implicar na violação das normas de segurança). SÃO PAULO Em SP, a Organização realizou no ano de 1971, aproximadamente 75 ações de maior vulto. Destas, 10 foram realizadas em Frente com outras Organizações e grupos revolucionários. Não pretendemos relacionar todas as ações, mas acreditamos ser importante destacar alguns de seus aspectos principais: as de caráter expropriatório-financeiro somam 26, dentre as quais 7 empresas (Mangels, Villares, Ericsson, Vulcan, Pollone, Cima, Coca-Cola). As realizadas visando a fortalecer a infraestrutura chegam a 12, abrangendo principalmente os setores de documentação, imprensa e propaganda. No que se refere às ações de fustigamento do inimigo e aumento da potência de fogo, seu número atinge 10, destaca-se o ataque a 7 rádio-patrulhas. Finalmente, temos um conjunto de aproximadamente 25 ações que abrangem os mais variados setores, com os mais diversos objetivos. Como exemplos, temos as ocupações do restaurante de luxo Hungaria, no dia 1º de maio; de um teatro; do refeitório da PUC; a colocação de uma viatura com fita gravada na USP; uma distribuição

17 de Maio: Dia Internacional de Luta Contra a Homofobia

“É necessário avançar na maior convergência possível entre a Homossexualidade e a Revolução. O proletariado revolucionário deve, portanto, estar convencido da necessidade da emancipação homossexual, mesmo que isso não tenha relação direta com a vida de parte da classe trabalhadora, e considerar este tema no mesmo grau que o combate ao racismo contra as mulheres e os homens do povo negro, por exemplo. Por sua vez, trabalhadores homossexuais devem entender que sua libertação pode ser total e irreversível apenas através da revolução social, ou seja, quando a sociedade de forma geral avançar em sua libertação, não apenas moral, mas na transformação revolucionária da vida. Esta convergência, para funcionar, deve considerar uma nova perspectiva de revolução social. […] Somente um verdadeiro socialismo libertário, antiautoritário e antiestatal será capaz de promover a libertação, definitiva e concomitante, do homossexual e do trabalhador explorado pelo capitalismo.” Trecho livremente traduzido do texto “Homosexualité et Révolution” de Daniel Guérin (1904-1988), militante socialista libertário e anticolonial francês, fundador da Frente Homossexual de Ação Revolucionária (FHAR).

Lima Barreto: 140 anos de um intelectual do povo negro e trabalhador

No dia 13 de maio de 1881, há 140 anos, nasceu Afonso Henriques de Lima Barreto, mais conhecido como Lima Barreto. Lima Barreto escreveu importantes obras da literatura brasileira, e também diversas cartas, crônicas e artigos. Veio a falecer no ano de 1922. O seu engajamento político muitas vezes é desconhecido ou apresentado de forma superficial. Lima Barreto sempre foi próximo a importantes figuras do sindicalismo revolucionário desde a sua juventude. Conheceu José Oiticica, Edgard Leuenroth, dentre outros. Escreveu um artigo para o primeiro número do jornal A Voz do Trabalhador, órgão oficial da Confederação Operária Brasileira (COB) e colaborou com outros jornais anarquistas e sindicalistas. Apoiou publicamente a grande Greve Geral de 1917, a Greve Geral e a Insurreição Popular no Rio de Janeiro em 1918, defendeu a Revolução Russa de 1917, criticou duramente a escravidão, a opressão sobre o povo negro, os imigrantes pobres e o povo trabalhador de forma geral. Em homenagem a esse importante intelectual e trabalhador brasileiro publicamos aqui o texto “Sobre a Carestia” publicado, não por acaso, em 1917, ano da grande Greve Geral. Nesse artigo Lima Barreto faz uma dura crítica aos capitalistas e ao Estado e defende o uso da violência pelos oprimidos para lutar contra a carestia de vida. O artigo foi retirado do livro “Antologia de artigos, cartas e crônicas sobre trabalhadores”. *** SOBRE A CARESTIA As várias partes do nosso complicadíssimo governo se têm movido para estudar e debelar as causas da crescente carestia dos gêneros de primeira necessidade à nossa vida. As greves que têm estalado em vários pontos do país muito têm concorrido para esses passos do Estado. Entretanto, a vida continua a encarecer e as providências não aparecem. Não há necessidade de ser muito enfronhado nos mistérios das patifarias comerciais e industriais, para ver logo qual a causa de semelhante encarecimento das utilidades primordiais à nossa existência. Nunca o Brasil as produziu tanto e nunca elas foram tão caras. O plantador, o operário agrícola continua a ganhar o mesmo; mas o consumidor as está pagando pelo dobro. Quem ganha? O capitalista. Ele e unicamente ele, porquanto o fisco mesmo continua a receber o mesmo ou quase o mesmo que antigamente. O açúcar, por exemplo, que descera de preço nestes últimos anos, é um caso típico da ladroeira capitalista, da mais nojenta. Os usineiros e os seus comparsas, comissários, etc. no intuito de esfolarem a população nacional ou residente no Brasil, descobriram que o melhor meio de o fazerem era vender grandes partidas, para o estrangeiro, pela metade do preço porque as vendem aqui. Semelhantes patifes, com umas teorias econômicas da Escola do Pinhal de Azambuja, dizem que, se não fizessem tal coisa, seria a débâcle do seu negócio. Isto veio escrito nos jornais, com aquela arrogância peculiar a fazendeiros, especialmente os de cana, e fabricantes de açúcar. É o que eles chamam o “alívio”. Nada mais absurdo e mais besta. Todo o fito do aperfeiçoamento das nossas máquinas, dos nossos processos industriais (é o caso do açúcar), tem sido produzir muito, rapidamente, para vender barato, de modo que o lucro, por mais insignificante que seja em um quilo, somado nas toneladas, dê, por fim, um lucro fabuloso. O Portela, aí da Casa Colombo, sabe bem disso, no tocante ao seu comércio, pois afirma que a sua divisa é “vender muito, para vender barato”. Se o açúcar que eles vendem à República Argentina fosse lançado nos nossos mercados, o pequeno lucro que desse, junto ao lucro obtido com nossos mercados, o pequeno lucro que desse, junto ao lucro obtido com aquele que até agora fica aqui, seria suficiente para remunerar o capital mais judeu deste mundo. Não é necessário ir buscar autoridades em finanças e economia política, para demonstrar coisa tão evidente. Entretanto, a ganância, o cinismo, a desfaçatez, a alma de piratas dos caciques do açúcar não querem ver isto e esfomeiam os seus patrícios. Por falar em pátria… A pátria é um laço moral, dizem; mas, quando os Zés Bezerras, os Pereiras Limas e outros rompem esses laços, de forma tão bucaneira, como acabo de mostrar no caso do açúcar, de que modo posso mais respeitá-los, a eles, nas suas vidas e nos seus haveres? Creio que me acho desobrigado de toda e qualquer prisão moral com semelhantes patifes. Em presença deles, devo proceder como em presença do salteador que me toma os passos, em lugar ermo, e me exige os níqueis que tenho no bolso. Só há um remédio, se não quero ficar sem os magros cobres: é matá-lo. Não há necessidade, entretanto, de o fazer, na parte relativa a esses cínicos do açúcar e outros. Semelhante gente não se incomoda em morrer: incomoda-se em perder dinheiro ou em deixar de ganhá-lo. É tocar-lhes na bolsa, que eles choram que nem bezerros desmamados. O povo até agora tem esperado por leis repressivas de tão escandaloso estanco, que é presidido por um ministro de Estado. Elas não virão, fique certo; mas há ainda um remédio: é a violência. Só com a violência os oprimidos têm podido se libertar de uma minoria opressora, ávida e cínica; e, ainda, infelizmente, não se fechou o ciclo das violências. Quando um ministro de Estado, como o Rufino o é, cuja missão, na especialidade do seu departamento, é prover às necessidades gerais da população, atender aos seus clamores, impedir a opressão de uma classe sobre as demais, regular o equilíbrio das forças sociais, se faz caixeiro ou chefe de trust, para esfomear um país, não há mais para onde apelar senão para a violência, para a brutalidade da força! Não há outra esperança, pois eles dominam todo o mecanismo legal – o Congresso, os juízes, os tribunais – e tudo isto só fará o que eles quiserem, e seria vão socorrermo-nos desse aparelho. É doloroso chegar a semelhante conclusão; é doloroso ver tanto sangue generoso derramado, tanta lágrima chorada, tanto estudo, tanta abnegação, tanto sacrifício, tanta dor de grandes homens e daqueles que os amaram e apoiaram, é doloroso,

12 anos Construindo Resistência

Nesse dia 29 de abril nosso centro de cultura e luta, comunitário e autogestionário completa 12 anos de existência e resistência, desde que tomamos e recuperamos um imóvel no centro de Feira de Santana. Transformado em espaço de formação permanente, com atividades culturais e organização de lutas populares, a Casa da Resistência é um exemplo de autonomia, independência de classe e autogestão, impulsionando as lutas e a auto-organização do povo pobre e trabalhador, construindo caminhos de libertação e um projeto revolucionária, socialista e anticolonial. Abaixo um trecho do Comunicado nº 01 do Comitê de Solidariedade Popular – Feira de Santana, impulsionado pela Casa da Resistência – FOB, que representa a síntese do nosso projeto revolucionário, programa e processo de construção: “Os monstros que nascem entre o claro e o escuro precisam ser derrotados pelo povo, e a transformação social revolucionária é ao mesmo tempo uma tarefa de reorganizar a sociedade para sua gestão popular e um processo de acumulação forças onde se constrói, a partir da auto-organização popular, o caminho da libertação proletária até o socialismo. A radicalização da luta popular e a superação da domesticação imposta pela hegemonia da esquerda da ordem é o caminho que se impõem diante das formas que o Estado-nação deve assumir, como dissemos, um Estado Policial pleno baseado na repressão brutal e controle sobre o povo. A esquerda pequeno-burguesa, institucional e oportunista será varrida pela luta de classes em seu estado mais latente e um modelo popular e revolucionário, que parte da auto-organização popular, da formação de um poder constituinte do povo e da organização político–militar revolucionária, precisa ser iniciado ainda dentro dessa crise, sendo essa também a única forma de fazer o poder estatal-capitalista recuar de uma saída militar-burguesa. Nesse sentido as sementes lançadas agora, através dos Comitês de Solidariedade Popular e das Brigadas de Autodefesa, devem germinar em termos organizacionais em Conselhos Revolucionários do Povo, como organismos de poder e gestão local, e no Congresso Revolucionário do Povo, com instâncias estaduais, regionais e nacional, e em termos político–militares as Brigadas de Autodefesa devem desaguar em um Organismo de Justiça Popular e na constituição de um Exército Popular Revolucionário, como força regular beligerante do povo. Esses organismos em primeiro momento convivem em contradição e se colocam em oposição ao poder constituído, formando uma situação de poder dual na sociedade, organizam a insurreição popular e conduzem a guerra revolucionária, para assumirem como poder constituído a partir da vitória do povo sobre o poder estatal-capitalista, fazendo a história virar a esquina para o encontro com nossa emancipação e esmagando o destino de fome, miséria e repressão que nos querem impor, dando início ao processo de transição socialista e autogestionário. Os Conselhos Revolucionários do Povo são conselhos populares locais, sendo instâncias coletivas de poder local, substituindo as prefeituras e câmaras de vereadores, organizando os serviços públicos como saúde, educação, segurança, infraestrutura, obras públicas e a produção em um município ou microrregião. Os conselhos devem ser compostos por delegados/as do povo, eleitos/as com mandatos revogáveis e prazos determinados, a partir de um determinado território ou ramo de trabalhadores/as, organizados a partir de comissões temáticas e assembleias populares. O Congresso Revolucionário do Povo é a instância máxima de decisão e gestão, substituindo o poder executivo e legislativo do Estado burguês, reunindo delegados/as de base dos conselhos locais em instâncias estaduais e nacional, organizando a planificação econômica a partir das cooperativas e associações de trabalhadores/as, as relações internas e externas, delegando cargos executivos e comissões com mandatos imperativos e revogáveis para cada tema específico ou demanda de organização do país. O Organismo de Justiça Popular dividido em instâncias desde locais até nacional substitui o poder judiciário burguês, organizando as decisões e medidas desde as mais básicas em tribunais populares de mediação até as formas de expropriação, repressão e reeducação de setores contrarrevolucionários, garantindo para todos os direitos fundamentais nos procedimentos, mas como uma justiça de classe que tem por fundamento mediar as questões pertinentes ao povo, organizar a repressão à burguesia, aos inimigos do povo e os elementos antissocialistas. Por fim, as forças de autodefesa que as organizações populares devem construir desde já como brigadas de autodefesa, guardas populares, negras, indígenas e de mulheres devem confluir para a formação regular de um Exército Popular Revolucionário, responsável por substituir as forças de repressão do Estado burguês e proteger o território, após conduzir a guerra popular até a vitória sobre a tirania burguesa e sua civilização decadente.”

Cherán K´eri, autogoverno e exemplo para os povos

No último dia 15 de abril, o autogoverno popular-indígena de Cherán K’eri, município do planalto purhépecha no estado de Michoacán, no México, celebrou os 10 anos do levante armado que libertou a cidade, expulsou o crime organizado, a polícia e os partidos políticos institucionais, dando origem ao autogoverno local baseado em conselhos comunitários de decisão coletiva, que funcionam segundo os próprios usos e costumes do povo purhépecha.   Em 2011, em um processo de libertação dirigido pelas mulheres indígenas, os cerca de 20 mil habitantes se ergueram contra os cartéis do crime organizado e as autoridades locais cúmplices do corte clandestino de árvores, da devastação dos bosques e dos assassinatos e sequestros pelo narcotráfico. Caminhões usados para o transporte de madeira foram incendiados, barricadas levantadas nas entradas da cidade, e o presidente municipal do PRI, cargo equivalente ao de prefeito, foi expulso da cidade, com o Palácio Municipal sendo ocupado pelo povo em armas. A assembleia comunitária para as discussões e decisões coletivas deu origem ao Concejo Mayor de Gobierno de Cherán K’eri, organismo de autogestão local que coordena 8 conselhos populares e administra as quatro zonas de Cherán. A Ronda Comunitária, formada por homens e mulheres, é o organismo de autodefesa popular, que funciona como uma polícia comunitária e patrulha os bairros da cidade purhépecha. Um organismo de justiça popular também foi instalado para julgar crimes locais, que se relacionam principalmente com o abuso de álcool. Os níveis de violência foram quase reduzidos à zero nesse período de autogoverno. Em fevereiro de 2012, o povo de Cherán apelando para leis internacionais conseguiu o direito legal na justiça mexicana à autodeterminação social e política, sendo o primeiro município autogovernado legalmente e reconhecido no México, inspirando outros povos indígenas do país. A conquista de Cherán como “município indígena”, assim como, a legalidade do seu governo comunitário a partir dos “usos e costumes”, está baseada nos artigos 5 e 6 do Convênio 169 da OIT, ratificado no México em 1990, assim como nos artigos 18 e 19 da Declaração das Nações Unidas sobre os Diretos dos Povos Indígenas, assinada em 2007. As mesmas fogueiras que foram instaladas no levante de 15 de abril de 2011 nas rotas dos caminhões dos talamontes (como são chamados os madeireiros ilegais ligados ao narcotráfico), continuam servindo hoje, 10 anos depois, como pontos de reuniões comunitárias onde ocorrem as assembleias de bairro, se tratam dos problemas locais e se decidem os representantes perante outras instâncias. Simbolizam também o “deus do fogo”, principal entidade espiritual dentro da cosmovisão purhépecha. A gestão eleita para o período de 2018-2021 do Concejo Mayor de Gobierno organizou neste mês de abril de 2021 uma grande programação de atividades para celebrar os 10 anos de autogoverno comunitário de Cherán. Durante a pandemia de Covid-19 os conselhos comunais organizaram também campanhas de saúde e prevenção. Cherán K’éri, a partir de seu autogoverno popular-indígena, da defesa do meio ambiente, do protagonismo das mulheres, da valorização da ancestralidade e dos organismos comunitários de autodefesa e justiça popular, representa hoje a esperança dos povos em decidir o próprio destino e o exemplo de autogestão e autodeterminação. Cherán, após 10 anos, segue resistindo e em alerta contra os cartéis que atuam em dos municípios próximos, apontando o caminho da libertação.