Carmen Villalba: “Um revolucionário comunista deve acreditar no povo pobre”

Esta é a segunda vez que entrevisto Carmen Villalba, prisioneira política comunista do Exército do Povo Paraguaio (EPP) que está encarcerada há 17 anos. Desta vez cheguei até ela logo depois de escutar um áudio profundamente doloroso, após o regime paraguaio assassinar suas duas sobrinhas, as meninas argentinas Maria Carmen e Lilian Mariana, de 11 anos, que foram torturadas e fuziladas pelo exército, treinado por forças repressoras colombianas. Confesso que minha intenção era descobrir também o que ela pensa, e para além da verborragia e das mentiras da mídia hegemônica, saber as razões que a levaram a militar pela causa comunista, assumindo as consequências de tal decisão em um mundo dominado e aviltado pelo capitalismo. De um poço escuro que destrói qualquer ser humano, a prisão, Carmen Villalba não reclama de sua situação e assinala que ela é semelhante ao “sofrimento e as dificuldades da vida cotidiana do trabalhador, do camponês ou do indígena, que sofre em uma prisão ao céu aberto”. Apesar das dificuldades, ela continua otimista de que um dia, os povos cantarão a vitória.   Carlos Aznárez: Gostaria que nos contasse em que momento da sua vida tomou consciência e por que iniciou sua militância? Carmen Villalba: Quando tinha 13 anos, comecei a me perguntar por que faltava comida em minha casa e nas casas dos meus amigos do bairro. Apesar do trabalho árduo da minha mãe, que fez tudo, ainda não havia comida suficiente. Desde crianças fomos obrigados a sair para trabalhar, o trabalho e os esforços de minha mãe não eram suficientes. Meu irmão Osvaldo tornou-se carpinteiro desde os 7 anos de idade. A negação de direitos, a pobreza, são elementos que induzem um espírito rebelde a se perguntar, a buscar respostas, conduzem a uma consciência crítica, embora isso não seja o único fator determinante para dar um salto para a prática. Como disse José Saramago em A Caverna: “uma pessoa não é uma coisa que se larga num lugar e fica lá, uma pessoa se move, pensa, pergunta, questiona, duvida, investiga, quer saber e se é verdade que, forçada pelo hábito da conformação, acaba, mais tarde ou mais cedo, subjugada, mas não acredita que a sujeição, em todos os casos, é para sempre”. Não somos apenas sujeitos que executamos, mas também sujeitos que pensamos. Cresci em um bairro muito pobre de Concepción, às margens do rio Paraguai, entre pescadores e carpinteiros. A combinação do ambiente político crítico e de pobreza me levou a posições revolucionárias, e com o tempo isso amadureceu e se tornou uma forma de pensar e viver. No âmbito do tema político revolucionário, o elemento que norteou e orientou meus primeiros passos foi exercido pelo meu irmão mais velho, que era politicamente crítico para um ambiente interiorano, e foi também influenciado por alguns religiosos franceses, da Fraternidade dos Pequenos Irmãos de Jesus. Professores da Teologia da Libertação, eles encarnaram sua pregação com coerência, vivendo sua fé ao lado dos trabalhadores ribeirinhos como fabricantes de tijolos e ladrilhos. Eles viviam com seus salários, longe do ambiente abastado e cínico da Conferência Episcopal Paraguaia e da hierarquia católica, cujos votos de pobreza carregam apenas em suas bocas. Nunca esqueço aquela bela comunidade de religiosos, eles moravam em uma pequena casa no bairro operário de Concepción, não tinham móveis, usavam poltronas rústicas para as visitas e sentavam-se em almofadas no chão para dar as aulas de formação e reflexão política, que eu frequentava com pontualidade religiosa. Com eles tive meus primeiros contatos com a ciência proletária, o marxismo-leninismo. Aqueles encontros memoráveis de adolescente marcaram para sempre minha vida e meu pensamento político. Tenho muito a agradecer a essa atmosfera de solidariedade, de ideias críticas e à minha mãe que me deixou crescer com o pensamento livre e crítico, mesmo que ela não concordasse comigo. A IDEOLOGIA Carlos Aznárez: No âmbito da militância em que está envolvida, além da identificação com o marxismo-leninismo, se reivindica Gaspar Rodriguez de Francia. Qual é a razão para esta definição? Carmen Villalba: Em minha cidade natal, Concepción, dei meus primeiros passos de militância na luta estudantil, em minha escola, na criação do centro de estudantes. Nestes espaços entrei em contato com o que mais tarde se tornaria minha primeira experiência política em um partido de esquerda. Meu caráter veemente e meu entusiasmo por ingressar em uma organização revolucionária me fez abandonar a escola assim que terminei meus exames do quinto ano. Em 1991, embarquei em uma viagem desconhecida, migrando para a capital, onde, em uma semana após minha chegada, consegui um trabalho e me instalei em um lugar, na segunda semana ingressei para a corrente Pátria Livre. Após um ano de militância política em dois departamentos do interior, o partido me integrou na célula clandestina que vinha preparando. Vários camaradas carregamos sobre nossos ombros, com convicção e responsabilidade, a orientação do partido. Sabíamos que isso implicava riscos, mas isso não desencorajava nossa disposição em lutar. Enquanto se trabalhava na formação de estruturas clandestinas e na solução do problema financeiro, ocorreu o sequestro de María Edith de Debernardi, nora do ex-homem forte e ministro das finanças de Stroessner. Daí minha prisão e minha sentença de 18 anos, que cumpro integralmente no próximo ano. A luta passou a ser a razão e o sentido de nossas vidas, renunciamos a nossas famílias e nosso passado, as condições da luta futura exigiam entrega, alta disciplina e compartimentação. Fomos todos jovens que abraçamos a luta revolucionária. Isto, relato aqui como uma síntese de uma parte da história da luta de classes. Em 2001, a feroz contraofensiva da burguesia e do Estado encontrou uma liderança reformista, esmagada pelos acontecimentos, não disposta a sustentar um projeto político revolucionário que articulou e organizou, mas do qual acabou desistindo. Depois veio o colapso, a rendição e a liquidação do Partido. A liderança superior do Pátria Livre acabou traindo seus companheiros presos, centenas de quadros e a luta revolucionária no Paraguai. É necessário fazer as críticas e as autocríticas, todos nós temos limitações, ninguém é infalível, é até

O internacionalismo deve ser prioridade: o exemplo guevarista para a esquerda revolucionária

Por J. Nascimento, na coluna Debate MUP* Hoje existem várias iniciativas de articulação internacional mantidas pela esquerda revolucionária e anti-imperialista no mundo, algumas mais orgânicas e outras puramente voluntaristas. Das mais orgânicas podemos citar a Liga Internacional de Luta dos Povos (ILPS) e o Movimento Comunista Internacional como iniciativas de partidos maoístas, algumas das muitas frações trotskistas que reivindicam a continuidade da Quarta Internacional, a Confederação Internacional do Trabalho (CIT/ICL), uma articulação de organizações sindicalistas revolucionárias e anarcossindicalistas, ou mesmo, articulações do campo reformista ou apenas sindical, como é o caso do Encontro Internacional de Partidos Comunistas e Operários (IMCWP), da Federação Sindical Mundial (WFTU), da Via Campesina e da Coordenação Latino Americana de Organizações do Campo (CLOC). As de caráter voluntarista se traduzem principalmente em campanhas pontuais ou comitês como os que existem em solidariedade a Rojava e ao povo curdo, a causa palestina e contra o Estado de Israel ou ao Exército Zapatista de Libertação Nacional (EZLN) e o Congresso Nacional Indígena (CNI), por exemplo. Apesar de todas estas iniciativas serem importantes, é notável a falta de capacidade para gerar alguma resposta política conjunta neste período de crise pandêmica, social e política. A atual crise mostra que é preciso resgatar a solidariedade ativa e o internacionalismo proletário para o campo da ação política, pois somente os fóruns de discussão ou as notas públicas não dão conta dos desafios da atual fase da luta de classes. Especialmente no Brasil, iniciativas de articulação internacional parecem ignorar a necessidade de construção de elos mais sólidos com nossos vizinhos. Os mesmos setores que fazem campanhas e vibram com a resistência armada no distante Curdistão, com maoístas na Índia e nas Filipinas, ou mesmo fazem uma espécie de “adesão poética” aos zapatistas no México, ignoram os homens e mulheres em armas que combatem em nas selvas e zonas rurais sul-americanas, principalmente na Colômbia com o Exército de Libertação Nacional (ELN), no Paraguai com o Exército do Povo Paraguaio (EPP) e, em menor escala, com a insurgência mapuche mantida pela Coordinadora Arauco-Malleco (CAM) no Chile. O interesse pelas lutas em outros países parece ser orientado de acordo com os vínculos ideológicos, a repercussão midiática e o fetiche pequeno-burguês com as “minorias”, por vezes benevolente e quase sempre descompromissado, ou seja, critérios nem um pouco objetivos. Nos dias 11, 12 e 13 de fevereiro foi realizado o XIII Encontro Guevarista Internacional em Montevidéu, Uruguai. O encontro contou com representações de países da América do Sul em um momento oportuno, pois a desorientação política impera nos meios de esquerda, o oportunismo reformista e o progressismo neoliberal ganham mais fôlego a cada dia. O encontro teve como objetivo o alinhamento político da militância revolucionária espalhada pelo nosso continente para combater as burguesias nacionais, o avanço imperialista e a conciliação dentro dos movimentos da classe trabalhadora. Este espaço de unidade e troca de experiências entre diferentes organizações revolucionárias, além de ser extremamente necessário neste período de avanço do conservadorismo e do oportunismo de esquerda, também cumpre o papel de manter vivo o legado do internacionalismo latino-americano, que foi fundamental para resistência contra as ditaduras militares à serviço de Washington nas décadas de 1960/70 e nas lutas anticoloniais pelo mundo, por isso, todos devemos nos espelhar e saudar esse importante encontro. Experiências impulsionadas pelos ventos da Revolução Cubana e do guevarismo como a OSPAAAL (Organização de Solidariedade com os Povos da Ásia, África e América Latina), a Organização Latino-Americana de Solidariedade (OLAS), e depois, a Junta de Coordenação Revolucionária (JCR), devem servir para inspirar novas redes internacionais de solidariedade na América Latina e o apoio ativo às lutas insurgentes de nossos povos. Um encontro como esse num momento de crise global, onde na maior parte do mundo os trabalhadores encontram-se esmagados pelo capital, mesmo pequeno, aponta a articulação internacional entre a esquerda revolucionária como uma das saídas para a atual impotência política. Mas também serve de estímulo para os revolucionários brasileiros entenderem de uma vez por todas que se tratando de América do Sul, o Brasil é um país determinante no que diz respeito à economia, política e poder militar, sendo assim a relação internacional com nossos vizinhos deve ser uma prioridade estratégica e não uma questão de simpatia ideológica ou uma simples manifestação de solidariedade. O slogan “trabalhadores do mundo, uni-vos!” imortalizado pela Associação Internacional dos Trabalhadores (AIT), significou muito mais do que um princípio ou ideologia reivindicada pelos trabalhadores do mundo em luta contra o capital, foi uma necessidade de resposta à aliança internacional da burguesia, seus Estados e aparelhos ideológicos. Contudo, mais do que uma necessidade, representava estratégias revolucionárias distintas dentro do movimento proletário internacional. Para os discípulos de Marx os países mais desenvolvidos ocupavam papel central na estratégia de conquista poder, por esses países concentrarem maior contingente do proletariado industrial e em tese possuírem um maior grau de consciência de classe. Já para os partidários de Mikhail Bakunin, os países periféricos eram o foco da estratégia, pois a exploração nas margens do capitalismo era a base de sustentação dos países centrais e os trabalhadores estariam, em tese, menos domesticados pela institucionalidade burguesa. O fato é que independente da melhor estratégia ou dos objetivos finais distintos, ambas as escolas socialistas tinham como horizonte revolucionário a destruição do poder estatal-burguês, além de contribuírem para a expansão das ideias socialistas pelo globo. Um exemplo disso é que graças a estratégia bakuninista de construção da periferia para o centro, assimilada por diferentes correntes anarquistas, o sindicalismo combativo se expandiu para além da Europa e da América do Norte, constituindo as raízes de praticamente todo movimento operário latino-americano. Com o declínio da União Soviética e a cristalização da hegemonia do reformismo na esquerda, houve o abandono progressivo das perspectivas de tomada de poder. Se na Primeira Internacional as divergências estratégicas sobre o internacionalismo residiam em diferenças de base teórica, pois mesmo Marx e Engels apontando como útil a disputa eleitoral, tal tática era subordinada ao objetivo de organizar as massas para uma ruptura violenta, algo que pode ser constatado